quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Réveillon [acordemos? sonhemos?] - Tim-tim!

O deus Jano, o Exu e o Réveillon de todos nós

Há um mundo carregado de mistério no que somos no Réveillon. E é no quanto a palavra se refere a sonho, ao “Rêve”, que nos abraçamos e nos beijamos, desejando-nos mutuamente, o que o próprio deus Jano também não sabia: se a posteridade nos vai sorrir ou se será simplesmente aquilo, tautologicamente, que só o futuro sabe.

reproduzida de fadadosbosques.blogspot.com
Num mundo previsivelmente administrado como o nosso (alguns pensadores falam, sem meias tintas, de uma espécie de diktat do sistema, a gerenciar, inclusive, as horas de lazer dos cidadão), causa certo espanto que nos deparemos com símbolos tão escancarados e, no entanto, aparentemente meros aparatos como as chamadas "Festas de Fim de Ano ". Deus Nosso Senhor não deixou nenhum indício de que o que chamamos de "ano" devesse ter 12 meses e 365 dias. E que, num instante qualquer do universo, haja uma espécie de parada cósmica, para o tilintar de taças, já que naquele momento, passou-se, por fim, um ano na terra. E que o "Feliz Ano Novo" seja saudado de Seca a Meca, como um corolário do nosso tempo humano. É a adesão ao que parece a uma convenção, mas talvez tão impositiva quanto o nosso sentimento religioso.

Augusto Comte, criador do positivismo, desmistificou o quanto pode as crenças religiosas – elas seriam de um tempo”não científico” - isso até o dia em que ele próprio resolveu criar a sua "religião da Razão". Devia ter certeza de que, procedendo assim, dava a um rito qualquer, um certo status – quase, quem sabe, como esse que concedemos às comemorações de um "Novo Ano", dito como "Bom" pelos publicitários, esses exegetas da sacralização dos negócios rendosos.

Nada demais, parece, que seja assim. Convencionamos que o mundo se divide em anos, no número mágico de 12 meses, com períodos de doze horas que, ao ser duplicado, faz de um dia 24 horas ( doze mais doze). Mera convenção com ares de magia, como são doze o número de apóstolos de Cristo. Marx falava, a propósito, do poder dos mortos sobre os vivos. De fato, na crença de que na comemoração do Novo Ano, imitamos as cobras, por exemplo, ou seja, no caso, a natureza, mudando de pele - guardamos de que seguimos o ritmo do universo. É assim desde o tempo dos nossos avós, já mortos. Quando a chuva ou o tempo nublado nos deixam entrevê-las – as estrelas, por acaso, não cintilam mais radiosas?

Aliás, a própria idéia de lavagem das casas e corpos, em processos chamados de "descarregos", não raro com ervas e incenso, induzem a que todos pensemos na passagem do ano como um momento encantatório. Temos computadores e tablets - o neon acompanha os fogos de artifício espocando das ruas, mas o simples anúncio da meia noite - a despeito dos nossos horários de verão anteciparem a sua metade "real" ( isso existe?)- fazem-nos vibrar à loucura. Fica a pergunta: qual mesmo a diferença com outras manifestações proto-religiosas ou decididamente religiosas alhures - e que são acompanhadas por tambores e, a depender do lugar, assistidas, plácida e indiferentemente, por camelos e leopardos?

Levy-Strauss e outros antropólogos devem ter mil razões para nos explicarem nos nossos réveillons. É expressivo, contudo, que o termo venha do francês "Reveiller", que é acordar. "Réveillon", a rigor, seria a ceia no meio da noite, quando algo sonâmbulos, somos acordados para uma confraternização, ao redor de uma mesa farta, com amigos. Mera casualidade? Talvez. No entanto, poucos eventos nos põem, inclusive etimologicamente, tão próximos dos sonhos.

A dimensão onírica embutida no Réveillon – a raiz da palavra é a mesma de “rêve,”, ‘sonho’ em francês – explica-se no sucedâneo da festa – muitas libações - na verdade, a celebração mais próxima e antecipatória que temos (com exceção do Carnaval) dos célebres bacanais. Que, por sua vez, talvez se expresse na idéia que temos da palavra – mas que tem a ver com os mistérios. A loucura, seja pelo artifício do vinho ou de outra droga qualquer, sempre nos arrebata para a alteridade. Que tanto pode descambar para o ridículo – o “Nego bebo” cantado pela marchinha de carnaval (“Chi, tem nego bebo aí...), quanto para a “iluminação” do Pai-de-Santo: é a custa de cachaça e de tabaco que o babalorixá se comunica com os orixás.

“In Vino Veritas” – “No vinho está a verdade” diziam os romanos, a se prever certamente, das muitas e boas que dizemos – e fazemos - quando o álcool elimina a nossa autocensura. Alexandre Magno matou um de seus melhores amigos quando este lhe disse que estava embriagado, a tropeçar entre os móveis e as alfaias de seu palácio

Pode-se retomar, porém, à questão do mágico. Parece em tudo significativo que, ao Natal, sigam-se as festas do Ano Novo. Depois do recolhimento teórico do Natal, a festa se prolongaria para a esbórnia do Réveillon. O interessante é que são poucas as menções da arte a propósito do Novo Ano. Bach e outros compositores compuseram cantatas e oratórios “de Natal”. Quase todos os pintores da Renascença e do Barroco demoraram-se sobre o ciclo natalino, ora comemorando o simples nascimento, ora reportando-se à chegada dos Reis Magos. Sobre o Ano Novo, entretanto, quase nada.

Por quê?
Talvez por sua origem anterior a Cristo. E que parece o melhor do Ano Novo. Tudo se faria em torno de um deus romano, chamado Jano, que deu origem ao nome do primeiro mês do ano – janeiro – e que tinha duas faces – uma para trás e outra, justamente aquela que evocamos, na passagem do ano, e que se coloca entre o passado e o futuro, voltada para a frente. Janos seria a condição do homem no Réveillon. É o deus do contraditório, aquilo que, de um lado todos somos no instante em que contamos o tempo regressivamente. Ao desembarcarmos no “zero”, depois da contagem dos segundos, assumiríamos as duas faces de Jano, o padroeiro do janeiro. Somos o passado – que sabemos como foi – mas somos também o mistério – a dúvida – assumida pela outra face do tal deus – aquela que olha para o futuro e que é inexorável, tanto para o bem quanto para o mal.

Há, em suma, um mundo carregado de mistério no que somos no Réveillon. E é no quanto a palavra se refere a sonho, ao “Rêve”, que nos abraçamos e nos beijamos, desejando-nos mutuamente o que o próprio Jano também não sabia: se a posteridade nos vai sorrir ou se será simplesmente aquilo, tautologicamente, que só o futuro sabe.

São questões de que passamos ao largo. Mas é interessante que pensemos o Réveillon apenas como uma festa sem o que nem porquê. E que, no Brasil, o associemos ao período que se estende até o carnaval, quando então a vida recomeça, inclusive - ou principalmente, em Brasília.

Em tempo: Jano era o deus que abria as portas. Tudo a ver, numa certa medida, com o nosso Exu – o Tranca-Ruas.

*Enio Squeff é artista plástico e jornalista.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Fim de ano de novo e...

Por um Natal sem neve na TV

Quem mantém as TVs comerciais são os anunciantes. Mas, apesar disso, as emissoras poderiam ter um pouco mais de criatividade. Não há Natal na TV brasileira sem a milésima reprise do filme “Esqueceram de mim”, com neve em quase todas as cenas ou sem o indefectível “especial”, sempre com o mesmo cantor.

Artigo públicado originalmente na edição de dezembro da Revista do Brasil.
Fonte da versão eletrônica: Boletim Carta Maior


O final de ano na TV é sempre previsível. A propaganda cresce e os programas se repetem. São filmes com muita neve, os mesmos musicais e as infalíveis resenhas jornalísticas.

A televisão no Brasil não dita apenas hábitos, costumes e valores mas também o ritmo de vida da maioria da população. Nos dias úteis com seus horários para “donas de casa”, crianças e adultos e nos fins de semana, com uma programação diferenciada, supostamente mais adaptada ao lazer.

Mas não fica aí. A TV organiza também as comemorações das efemérides ao longo do ano, das quais o ponto alto é o Natal. Com muita antecedência saltam da tela canções da época e muita propaganda, criando clima para o “espírito natalino”.

As crianças são o alvo principal da publicidade. Se já são bombardeadas com apelos de compra o ano todo, no Natal a pressão cresce.

Apresentadoras joviais e alegres conquistam a confiança dos pequenos telespectadores com seus dotes artísticos para, em seguida, atraí-los para as compras, no mais das vezes, desnecessárias. Da classe média para cima é comum ver crianças com brinquedos pouco ou nada usados, comprados apenas como resposta aos apelos publicitários.

Mas a TV não está só nas casas de quem pode comprar. Hoje ela é um bem universalizado no Brasil, advindo dai a sensação de exclusão sofrida por crianças cujas famílias estão impossibilitadas de satisfazer seus desejos. Esse desconforto resulta da crença de que o consumo é um valor em si, substituto da cidadania. Só é cidadão quem consome.

“O que singulariza a grande corporação da mídia é que ela realiza limpidamente a metamorfose da mercadoria em ideologia, do mercado em democracia, do consumismo em cidadania” diz o professor Octávio Ianni no “Príncipe Eletrônico”, artigo que se tornou referência para a discussão do papel político da comunicação nas sociedade modernas.

No Natal a metamorfose atinge o auge e segue até a virada do ano. As mercadorias ganham vida na TV e estão à disposição para satisfazer todos os nossos desejos, o mercado oferece democraticamente a todos os mesmos produtos e ao consumi-los exerceríamos nossos direitos de cidadãos. São falácias muito bem embaladas em luz, cores e sons sedutores.

As regras do jogo são essas. Quem mantém as TVs comerciais são os anunciantes. Mas, apesar disso, as emissoras poderiam ter um pouco mais de criatividade. Não há Natal na TV brasileira sem a milésima reprise do filme “Esqueceram de mim”, com neve em quase todas as cenas ou sem o indefectível “especial”, sempre com o mesmo cantor.

Dessa mesmice nem o jornalismo escapa. As chamadas resenhas de final de ano não são mais do que colagens em forma de “clips”, usadas mais para reviver sustos já sofridos pelo telespectador do que para informar. Em determinado ano, que pode ser qualquer um, o apresentador famoso abria a resenha na principal rede de TV exclamando: “um ano de arrepiar em todo o planeta. Incêndios, terremotos, furacões”. E dá-lhe imagens espetaculares que, de notícia, pouco tem.

Podia ser diferente? Claro que sim. Poderíamos ter na TV um Natal mais brasileiro e um final de ano criativo (com a publicidade mais controlada). Realizadores não faltam, o que faltam são oportunidades para mostrarem seus trabalhos. Mais de 200 deles apresentaram pilotos de programas no Festival Internacional de Televisão, realizado em novembro no Rio. Não haveria ai gente capaz de tirar a televisão da rotina desta época?

Criatividade é o que não falta na produção audiovisual brasileira. Precisamos é de ousadia para mostrá-la ao público oferecendo bens culturais capazes de enriquecê-lo espiritualmente. Ou como dizia um diretor da BBC, a melhor TV do mundo: “temos a obrigação de despertar o público para idéias e gostos culturais menos familiares, ampliando mentes e horizontes, e talvez desafiando suposições existentes acerca da vida, da moralidade e da sociedade. A televisão pode, também, elevar a qualidade de vida do telespectador, em vez de meramente puxá-lo para o rotineiro”.

Belo desafio, não? Feliz Natal.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Pra pensar discursivamente em fórmulas, em sua circulação

4/12/2011

Manual de justificativas pra velha mídia alegar por que deixou passar em branco o livro do Amaury

Fonte: Blog do Emir


1. Pensei que era tudo legal, por isso não demos naquele momento.

2. Faltou tempo.

3. Faltou espaço.

4. Faltou vergonha.

5. O FHC disse que tudo tinha sido bem feito e era pelo bem do Brasil.

6. Já tinha resenha do livro do FHC.

7. O Serra ligou e pediu pra não dar nada.

8. Achamos que ia ficar chato pra nós.

9. Achamos que as Veronicas iam ficar muito mal.

10. Não achamos que ia dar público.

11. Deixamos pra dar mais tarde.

12. Não gostamos de matérias sensacionalistas.

13. Já tinha saído na mídia alternativa.

14. Isso é trololó do PT.

15. Se privatização fosse ruim, o FHC não teria feito.

16. Nós somos empresas privadas, gostamos disso.

17. Nós apoiamos na hora, somos coerentes, não íamos mudar de ideia só porque nos provem o contrário.

18. Deu preguiça de ler aquele troço todo.

19. Já escondemos tanta coisa, uma a mais, uma a menos...

20. As empresas estão melhor (pra nós) na mão de capitais privados.

21. Ia ficar mal pra nós.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Anuário ARede de inclusão digital: projetos do setor público - federais, estaduais e das capitais


É preciso mais

Fonte: Telesíntese


Diferentemente de muitos anuários, este trabalho não tem por objetivo estabelecer uma hierarquia entre os projetos de inclusão digital públicos do país ou avaliar a qualidade de cada um deles. O intuito é traçar um panorama do que está sendo realizado pelos governos federal, estaduais e municipais para subsidiar estudiosos da inclusão digital e formuladores de políticas públicas.

Esse panorama, se comparado ao apresentado pela primeira edição do Anuário ARede de Inclusão Digital, de 2009, que também abordou as  iniciativas realizadas pelos governos, nos dá algumas pistas importantes para pensar a inclusão digital enquanto política pública. Houve uma evolução efetiva. Os gestores de programas que se limitavam a fornecer a conexão à internet e promover alfabetização digital dos alunos, majoritariamente jovens de baixa renda, já perceberam que essa fase está superada. É preciso mais.

Mas qual caminho seguir? Muitos programas estão fortalecendo suas iniciativas para fazer da inclusão digital um fator de aceleração da inclusão social e do desenvolvimento do protagonismo dos alunos. Outros têm investido em um viés de formação instrumentalista, levando em conta apenas as demandas imediatas do mercado de trabalho. Uma concepção que limita as perspectivas dos jovens diante do amplo leque de opções oferecidas pela comunicação em rede e pelo compartilhamento da produção de conteúdos.


Lia Ribeiro Dias
Diretora Editorial


Para baixar na íntegra em .pdf :

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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ainda sobre a atual gestão do MinC e a revisão da lei de direitos autorais

Resposta ao MinC: sobre o mecanismo de notificação e retirada

Fonte: Pablo Ortellado (em "Apenas um blog")
Para saber mais: GPOPAI (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação)

No último dia 5, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma matéria com declarações minhas sobre as modificações introduzidas pela nova gestão do Ministério da Cultura (MinC) no anteprojeto que reforma a lei de direitos autorais. Essas declarações foram criticadas em nota da assessoria de imprensa do ministério. A controvérsia diz respeito ao mecanismo de “notificação e retirada” introduzido no anteprojeto de lei de direitos autorais por meio do artigo 105-A. Abaixo apresento brevemente o funcionamento deste mecanismo e respondo às críticas que me foram dirigidas.

Sobre o mecanismo nos EUA
“Notificação e retirada” é uma tradução da expressão “notice and takedown” que é o nome dado ao mecanismo introduzido nos Estados Unidos por meio do Digital Millennium Copyright Act (DMCA) de 1998. O mecanismo busca regular as atividades das empresas provedoras de serviços de Internet cujo conteúdo é inserido pelo usuário. Quando uma publicação por meio destas plataformas viola direitos autorais há incerteza sobre quem deve ser responsabilizado pela violação – se o prestador do serviço que oferece a plataforma, o usuário que adiciona o conteúdo ou ambos. O DMCA introduziu o conceito de “notificação e retirada” determinando responsabilidades por meio do seguinte procedimento: 1) o alegado titular dos direitos autorais, quando identifica uma suposta violação aos seus direitos, notifica o provedor de serviços; 2) o provedor tem duas opções: ou retira o conteúdo com a suposta violação (de maneira “expedita” – que se entende como até 24 horas) ou a mantém e assume responsabilidade pelo conteúdo; 3) ao retirar o conteúdo, o provedor deve notificar o usuário (se for possível fazê-lo) que, por sua vez, pode contranotificar, assumindo ele (usuário) a responsabilidade pela publicação e por eventual infração ao direito autoral; 4) o conteúdo, neste último caso, é posto de volta no site se o titular do direito autoral não iniciar um processo contra o usuário em 10 dias úteis.

Tudo ocorre na esfera extrajudicial, sem qualquer decisão da Justiça. Desta maneira, o DMCA buscou dar segurança jurídica aos serviços de Internet que se baseiam em conteúdos de usuários, ao mesmo tempo que fornece aos titulares de direito autoral um instrumento para impedir violações.

A introdução do mecanismo no anteprojeto brasileiro
O modelo de “notificação e retirada” foi introduzido no anteprojeto que reforma a lei de direito autoral por meio do artigo 105-A (segue na íntegra abaixo). O artigo segue em linhas gerais o modelo americano, com duas modificações relevantes: no caso de contranotificação do usuário, o usuário passa a assumir a responsabilidade exclusiva pelo conteúdo e após uma eventual contranotificação o provedor de Internet deve imediatamente republicar o conteúdo. Além disso, qualquer outra pessoa interessada (que não o autor da publicação original) pode contranotificar, desde que assuma responsabilidade por eventual infração autoral realizada pelo usuário que publicou o conteúdo.

Críticas ao mecanismo
Embora em tese o mecanismo de notificação e retirada busque equilibrar o interesse dos titulares com o interesse dos provedores de serviço e dos usuários, na prática o mecanismo tem sido sistematicamente abusado pelos titulares. Foram essas críticas que expressei na matéria do Estado de São Paulo e que deram origem à reação do MinC.

A crítica consiste no fato de que o mecanismo de notificação e retirada cria, na prática, uma censura privada. Em primeiro lugar, o detentor dos direitos autorais, ao notificar, faz simplesmente uma alegação de violação, na esfera extrajudicial, que não é comprovada por qualquer instância jurisdicional (um juiz, por exemplo). Obviamente, os titulares tendem a interpretar a lei de maneira restritiva, minimizando, por exemplo, as possibilidades de usos livres conferidas pelas exceções e limitações dos direitos autorais (ou do fair use, no caso americano). Por exemplo, segundo estimativa da rede americana de clínicas de Direito, Chilling Effects, (formada por clínicas das universidades de Harvard, Stanford, George Washington, entre outras) cerca de 60% das alegações de violação utilizando o notice and takedown são improcedentes, seja porque simplesmente não há violação (são usos cobertos pelo fair use), ou porque a violação não é de direito autoral (é de marca, por exemplo) ou porque os procedimentos formais não foram realizados de maneira adequada. Apesar disso, os titulares conseguem atingir o objetivo de retirar o conteúdo já que os provedores de serviços de Internet preferem retirar o conteúdo e notificar o usuário a enfrentar o ônus legal de mantê-lo.

Embora o Brasil ainda não tenha formalmente o mecanismo, já enfrentamos notificações extrajudiciais em massa que servem como teste de ensaio para a introdução formal do mecanismo. Veja o seguinte exemplo. A Associação Brasileira de Direito Reprográfico (ABDR), que representa algumas grandes editoras, faz notificações extrajudiciais em massa a provedores de serviço de Internet (cerca de dez mil por mês). São notificações que alegam que determinada obra do catálogo de uma editora filiada está sendo disponibilizada sem autorização e que se ações não forem tomadas para retirar a publicação, medidas judiciais serão tomadas em face dos provedores. Os provedores então, para não assumir o ônus judicial, quase sempre retiram o conteúdo (ao ponto de a ABDR utilizar a retirada de conteúdo como “indicador” de sucesso).

Acontece que, neste caso, não há decisão judicial para averiguar se o uso que se faz das obras autorais é, por exemplo, coberto por limitações ao direito autoral – o que poderia acontecer com frequência, já que uma decisão recente do STJ indicou que as limitações na atual lei são exemplificativas, ou seja, nem todas as limitações estão expressamente previstas na lei de direitos autorais.

No caso dos livros, há vários levantamentos empíricos no Brasil indicando que entre 25% e 35% dos livros demandados pelas universidades (que é a maior parte da disponibilização de conteúdo na Internet) estão esgotados. Isso indica duas coisas: 1) o fato de os livros não estarem mais sendo vendidos ajuda a descaracterizar a responsabilidade civil – por ausência de dano – e pode, inclusive, ser encarada como uma limitação, numa interpretação extensiva como a estabelecida pelo STJ e também se interpretado à luz da Constituição Federal no que diz respeito à função social da propriedade e do acesso à educação; 2) muito provavelmente as editoras já não detêm os direitos de vários dos livros dos quais se dizem titulares já que a cessão contratual de direitos muitas vezes expira após alguns anos ou ainda elas podem jamais ter sido as titulares destes direitos, uma vez que a publicação digital de textos é um direito diverso da publicação física.

Isso posto, me parece bastante caracterizado o fato de que esse mecanismo cria uma censura privada, uma vez que conteúdo é suprimido em razão de uma simples notificação, sem qualquer intervenção judicial. Na proposta brasileira, abre-se a possibilidade de uma contranotificação por parte do usuário, após a qual a obra deve ser imediatamente republicada – no entanto, a disparidade entre o poder econômico dos titulares (editoras, gravadoras e produtores de audiovisual) e os usuários fará com que seja excessivamente oneroso aos usuários da Internet defender seu direito de publicação. Na prática, teremos uma censura privada – como aliás, já acontece.

O MinC alega que não se trata de censura, “porque censura carrega em si um crivo de conteúdo moral, ético, político ou doutrinário inexistente na proposta do MinC para o direito autoral.” O fato de este mecanismo fazer censura “apenas” para defender interesses econômicos – muitas vezes sem amparo na lei – me parece tão ou mais grave do que a censura feita com motivação moral ou política, justamente por ser mais difícil de identificá-la claramente. Censura é censura e seus efeitos são igualmente nefastos e anti-democráticos.

Além disso, o MinC alega que no meu argumento há “erro de princípio, porque inverte as ordens de direitos: obviamente, para se utilizar qualquer obra protegida, é fundamental e lógico que se obtenha primeiro a autorização do titular”. Aqui, de novo, acho que há uma profunda divergência de interpretação sobre o que é o direito autoral. Para o MinC tudo é protegido e para qualquer uso deve haver autorização – é a assunção da opressão do privado sobre o interesse público. O que o MinC está defendendo na nota é o direito autoral como hiper-propriedade – na qual o titular não tem deveres, só direitos – e como direito absoluto e superior a todos os demais direitos fundamentais, como o acesso à educação, à informação e à cultura. Eu, por meu lado, acredito que essa visão patrimonialista e proprietária do direito autoral não leva em conta o fato de que o direito autoral nasceu limitado: limitado porque protege só a forma e não o conteúdo, limitado porque a proteção tem prazo determinado, limitado porque vários usos foram historicamente considerados livres (citação, sátira, etc), limitado porque não é nem o único nem o direito mais importante. Penso que o direito autoral já é – e deve ser cada vez mais – uma ilha de exclusividade num imenso mar de usos livres e de obras plenamente livres. Do outro lado, parece que a atual gestão do MinC vê o direito autoral como a UDR vê a propriedade fundiária. É lamentável que tal visão seja respaldada por correntes de um partido dos trabalhadores.

* Agradeço ao Pedro Paranaguá e ao Allan Rocha de Souza por comentários a uma primeira versão deste texto. Eventuais erros, como de costume, são todos meus.

Íntegra do artigo 105-A:
“Art. 105-A. Os provedores de aplicações de Internet poderão ser responsabilizados solidariamente, nos termos do art. 105,  por danos decorrentes da colocação à disposição do público de obras e fonogramas por terceiros, sem autorização de seus titulares, se notificados pelo titular ofendido ou mandatário e não tomarem as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro de prazo razoável, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.

§ 1o Os provedores de aplicações de Internet devem oferecer de forma ostensiva ao menos um canal eletrônico dedicado ao recebimento de notificações e contranotificações, sendo facultada a criação de mecanismo automatizado para atender aos procedimentos dispostos nesta Seção.
§ 2o A notificação de que trata o caput deste artigo deverá conter, sob pena de invalidade:
I – identificação do notificante, incluindo seu nome completo, seus números de registro civil e fiscal e dados atuais para contato;
II – data e hora de envio;
III – identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material pelo notificado;
IV – descrição da relação entre o notificante e o conteúdo apontado como infringente; e
V – justificativa jurídica para a remoção.
§ 3o Ao tornar indisponível o acesso ao conteúdo, caberá aos provedores de aplicações de Internet informar o fato ao responsável pela colocação à disposição do público, comunicando-lhe o teor da notificação de remoção e fixando prazo razoável para a eliminação definitiva do conteúdo infringente.
§ 4o Caso o responsável pelo conteúdo infringente não seja identificável ou não possa ser localizado, e desde que presentes os requisitos de validade da notificação, cabe aos provedores de aplicações de Internet manter o bloqueio.
§ 5o É facultado ao responsável pela colocação à disposição do público, observados os requisitos do § 2o, contranotificar os provedores de aplicações de Internet, requerendo a manutenção do conteúdo e assumindo a responsabilidade exclusiva pelos eventuais danos causados a terceiros, caso em que caberá aos provedores de aplicações de Internet o dever de restabelecer o acesso ao conteúdo indisponibilizado e informar ao notificante o restabelecimento.
§ 6o Qualquer outra pessoa interessada, física ou jurídica, observados os requisitos do § 2o, poderá contranotificar os provedores de aplicações de Internet, assumindo a responsabilidade pela manutenção do conteúdo.
§ 7o Tanto o notificante quanto o contranotificante respondem, nos termos da lei, por informações falsas, errôneas e pelo abuso ou má-fé.
§ 8o Os usuários que detenham poderes de moderação sobre o conteúdo de terceiros se equiparam aos provedores de aplicações de Internet para efeitos do disposto neste artigo.“

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Rodas de conversa sobre a cultura digital

Fonte: A Rede

PARTE I

3º Festival da Cultura Digital: as redes nas ruas

Áurea Lopes
5/12/2012 

O vão livre do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro foi mais do que apropriado para traduzir o espírito do 3º Festival de Cultura Digital. A ideia era levar o conceito e o movimento do conhecimento livre para a rua, romper as barreiras dos espaços físicos fechados e até mesmo as limitações do mundo virtual. De 2 a 4 de dezembro, centenas de ativistas, estudiosos e interessados em aprender sobre cultura livre e democratização do acesso às tecnologias da informação e da comunicação passaram pelos vários palcos do evento – literalmente aberto a relatos de experiências, trabalhos colaborativos, demonstrações de projetos e rodas de conversas.

Todas as atividades procuraram se orientar pelo espírito “da produção e da apropriação do bem comum, seja esse bem cultural ou resultado material de uma criação intelectual”. Essa ideia vem da palavra commons, da língua inglesa, que contém um conceito tão abrangente que ainda não há uma tradução consensual para o português – discussão que também foi objeto de reflexão entre os participantes do festival, empenhados em trazer os temas da liberdade de expressão e produção mais próximo da sociedade brasileira.

“Essas estruturas vazadas para que todos possam ver, participar, representam a proposta do festival. Nós ocupamos o espaço público. Foi um exercício de liberação das potências da internet para as redes físicas, provocando processos inovadores”, avaliou Rodrigo Savazoni, diretor geral do festival.
Pela primeira vez, o encontro de cultura digital aconteceu fora de São Paulo, em um local aberto e sob a forma de festival – as edições anteriores seguiram o modelo de fóruns. As atividades foram distribuídas em seis eixos: Mostra de experiências, Visualidade, Laboratório Experimental, Espaço Multimídia, Encontro de Redes e Arena de debates. O ex-ministro Gilberto Gil foi o embaixador do festival e recebeu, na cerimônia de abertura, o professor Yochai Benkler, diretor do Berkman Center for Internet. 

Presente em todos os dias do festival, o ex-ministro participou, ao lado do compositor Jorge Mautner, de um debate na Arena sob o tema “Ocupações, revoluções, redes: articulação do movimento global”, em que falaram também moradores de rua que participam de uma ocupação urbana na Cinelândia. Fazendo uma análise sobre as mobilizações sociais contemporâneas, impulsionadas pelas tecnologias, Gil disse: “O rio da história arrasta muita coisa. As novas ofertas [referindo-se à internet] são aparentemente libertadoras. Mas não eliminam a necessidade da vigília, da disposição de lutar pela atenuação, que seja, das desigualdades. É sempre assim, não dá para aliviar, é preciso nadar contra o aluvião das injustiças”.


PARTE II

Projetos e articulações nos variados eixos da cultura digital

A troca de conhecimentos, experiências, links e aplicativos aconteceu em variados formatos e espaços durante o 3º Festival de Cultura Digital. Mas as conexões transcenderam a grade de programação. “O que estamos vivendo aqui é uma rede de afetos, que entrelaça as relações de pessoas para pessoas”, sintetizou Régis Bailux, do coletivo Bailux de metareciclagem.

Para abrigar um dos seis eixos do festival, um dos espaços da cidade do Rio de Janeiro escolhido foi o cine Odeon, na Cinelândia, onde aconteceram as palestras de convidados internacionais, como Yochai Benkler, diretor do Berkman Center for Internet, Michel Bauwens, fundador do Peer-to-peer, entre outros.

No Museu de Arte Moderna (MAM), coletivos com foco em arte, educação, direitos humanos e serviços públicos apresentaram seus trabalhos na sala da Cinemateca. No vão ivre do museu, as bancadas do Laboratório Experimental promoveram a troca livre de conhecimentos e desenvolvimentos colaborativos utilizando tecnologias livres.

“Este ano, quisemos quebrar a expectativa das pessoas em relação às oficinas, onde você v em e aprende a fazer algo. Neste festival, temos as pessoas dialogando e produzindo, espontaneamente, com liberdade”, disse Felipe Fonseca, um dos organizadores do laboratório. Ele apontou, entre outros projetos do laboratório, um trabalho com cartografia experimental. “Estamos falando do uso de mapas e cartografia como ferramenta e metodologia de interferir na realidade, a partir de sistemas livres de georeferenciamento”.

O Festival recebeu também o Ônibus Hacker, que fez sua primeira viagem, vindo de São Paulo com mais de 30 ativistas da transparência de dados públicos. O ônibus, projeto que se viabilizou a partir de uma iniciativa de financiamento coletivo, está se preparando para percorrer o país e levar às comunidades o conceito e a prática do direito cidadão de ter acesso aos dados governamentais, em todas as instâncias. O ônibus, que recebeu a vista do embaixador do Festival, Gilberto Gil, voltou para São Paulo equipado com um circuito de transmissão de rádio FM feito em uma das oficinas do festival.

 

PARTE III

Ministério da Cultura apresenta propostas e abre debate com ativistas

Em roda de conversa sobre participação cidadã, dia 4, no 3º FCD, o secretário de Políticas Públicas, Sérgio Mamberti, e o coordenador-geral de Mídia Digital, José Murilo Jr., apresentaram as iniciativas que o ministério da Cultura vem encaminhando dentro do Plano Nacional de Cultura.
Murilo falou sobre a criação do Sistema Nacional de Informações Culturais (SNIC), que está sendo desenhado para ser uma plataforma de dados abertos que a sociedade poderá não apenas consultar, mas complementar e também utilizar as informações de forma livre, uma vez que as APIs serão abertas. "Imaginamos uma espécie de Google Maps da cultura brasileira", disse o coordenador. A partir dessa base de dados, esclareceu, a população poderá construir serviços e aplicativos. "O sistema vai exigir a participação de produtores e artistas, que deverão manter o banco atualizado", completou. A grande riqueza, acrescentou, o volume de informações desse acervo virá da interlocução com a sociedade.

Murilo também apresentou ao público do 3º FCD a proposta do ministério de criar um registro unificado de obras de arte, acoplado a uma licença pública para bens culturais. Os detalhes da nova licença ainda não estão definidos: “Queremos construir esse conceito junto com a sociedade, com vocês, para isso estamos aqui. O diálogo está aberto e o ministério espera as contribuições”.

Sérgio Branco, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, colocou a preocupação de que a licença pública não venha excluir a licença Creative Commons. Murilo garantiu que não será uma licença obrigatória, tampouco virá para substituir a licença Creative Commons. Poderão ser usadas ambas, adiantou. "A combinação de registro autoral com uma licença customizada vai permitir que o autor decida que tipo de incentivo à circulação deseja para sua obra", avaliou.

O secretário Mamberti anunciou que no início de 2012 o MinC deverá publicar o mapeamento dos projetos do Pronac, com dados do período 1995-2011: "Vamos abrir a caixa de Pandora, com detalhamento de tudo o que foi pago a produtores, artistas e todos os envolvidos nas iniciativas financiadas com recursos do Pronac".

 

 

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

As práticas, as leis e o bem intelectual

SOPA – a nova ameaça à liberdade da rede

Por Bia Martins, do blog Autoria em Rede


Tenho escrito aqui no blog sobre as transformações nos modos de produção e circulação dos bens intelectuais na atualidade. Padrões anteriormente bem definidos de controle, tanto em relação à autoria de uma obra quanto a sua distribuição e monetarização, vêm sendo desestabilizados por práticas sociais de compartilhamento que estão impondo modelos abertos de criação e acesso a esses bens. Esta mudança vem ocorrendo, de fato, apesar da resistência das grandes empresas de mídia que, por seu lado, têm desenvolvido todo um instrumental tecnológico e jurídico na tentativa de impedir esse fluxo.

Pois uma das mais fortes reações à mudança está se dando agora, com a apresentação de um projeto de lei que está para ser votado pelo Congresso dos EUA. Se for aprovado, o projeto conhecido pelo acrônimo SOPA (Stop Online Piracy Act) permitirá que se processem sites acusados de permitir ou facilitar o descumprimento dos direitos autorais e de propriedade intelectual, podendo determinar a sua exclusão em resultados de mecanismos de busca, o corte de anunciantes e até mesmo o bloqueio do acesso a eles. Para isso, basta que o site em questão tenha links para outro site que tenha conteúdo tido como não autorizado. Por conta disso, grandes sites, como Facebook ou WordPress, por exemplo, e também os provedores poderão optar pela censura prévia a conteúdos, pelo medo da punição. E o pior é que a lei terá repercussão mundial porque vai legislar sobre todos os servidores web localizados nos EUA, por onde passa grande parte do tráfego da internet.

Essa iniciativa de restrição à liberdade na rede atende aos interesses das grandes corporações de mídia, como indústria fonográfica e estúdios de cinema, que querem controlar o fluxo de arquivos de som e vídeo especialmente. E, por outro lado, conta com o repúdio de novas grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, que baseiam seus negócios na livre circulação de dados. A boa notícia é que a Apple e a Microsoft, as duas principais companhias que fazem parte do Business Software Alliance (BSA), retiraram nos últimos dias o apoio ao projeto.

Confira o infográfico, em inglês, que resume a questão.

Nesse embate de gigantes, o que está em jogo é o modelo de circulação de bens intelectuais na sociedade. Como já argumentei em outros posts, do meu ponto de vista, essa é uma mudança sem volta que está relacionada com o novo modelo de produção capitalista, de caráter cognitivo, no qual o conhecimento está no cerne da produção: é o conhecimento que produz mais conhecimento. Nesse contexto, a informação precisa circular livremente para que possa gerar cada vez mais valor. Não é à toa que, apesar de todas as medidas restritivas, as práticas de compartilhamento de dados, como os downloads de música e vídeo, não parem de crescer.

No entanto, estamos ainda no momento de disputa entre o antigo e o novo modelo, e deveremos assistir ainda a muitos rounds pela definição dos parâmetros sobre as formas de circulação desses bens. Não há dúvida de que haverá a necessidade de chegar a novos marcos regulatórios, mas eles deverão levar em conta o contexto econômico e cultural da atualidade, que tem no compartilhamento da produção intelectual e na cooperação produtiva o seu modus operandi.

Quem tiver interesse em ler mais sobre esse embate, acaba de ser publicado meu artigo Autoria, propriedade e compartilhamento de bens imateriais no capitalismo cognitivo, na Liinc em Revista

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Memória num mundo ultrahiperrápido

"É preciso preservar o conteúdo integral do Orkut"

Ronaldo Lemos*

 

Fonte: Trip

 

 Se a nossa Biblioteca Nacional tiver um mínimo de visão e conexão com o presente, deveria começar a agir já. É preciso preservar o conteúdo integral do Orkut, Criar um espelho público do site que registrou boa parte do que aconteceu nessa incrível década passada


O jornalista Elio Gaspari é dos poucos que chamam a atenção para a destruição de processos judiciais antigos no Brasil. Nos milhões de arquivos queimados, desaparece boa parte da história do “andar de baixo” da sociedade. Gaspari lembra que até mesmo o processo de indenização do acidente de trabalho em que Lula perdeu o dedo foi destruído. Afinal, que interesse haveria em guardar tanta papelada?

Nos últimos anos, a história do “andar de baixo” está sendo registrada não apenas em processos judiciais, mas também online. Com o fenômeno das lan houses e a crescente apropriação da rede pelas periferias brasileiras, a internet tornou-se um espelho poderoso do que acontece na base da pirâmide social do país. Quem navega com atenção no Orkut (e YouTube, Twitter e Facebook) percebe a relevância da diversidade demográfica. Esses sites (Orkut em especial) refletem não só o presente, mas a memória detalhada das mais diversas e fascinantes relações sociais.

Nas infindáveis comunidades do Orkut é possível acompanhar dramas pessoais, pessoas lutando contra doenças, reclamações contra empresas e políticos, brigas, paqueras, discriminação sexual e racial, todo o coquetel de benesses e mazelas que acontecem em toda parte, mas que nem sequer se sonhava ter registro. É um material riquíssimo para pesquisar qualquer assunto, dos movimentos políticos às mudanças do uso do português nos últimos anos.

Pensando exatamente nisso a biblioteca do Congresso nos EUA começou a arquivar todo o conteúdo do Twitter. Estão sendo preservados os mais de 55 milhões de tuítes enviados todos os dias. O conteúdo atingiu 167 terabytes, espaço equivalente a 21 milhões de livros. Apesar dos números astronômicos, o custo é relativamente baixo, já que o armazenamento digital fica cada vez mais barato. Nas palavras de um dos responsáveis pelo projeto: “Esse é um acréscimo novo para o registro histórico da biblioteca, que permite gravar a história segundo a segundo das pessoas comuns”.

Alô, Biblioteca Nacional!
Aqui, a preocupação é urgente. Aparecem sinais de que o Orkut vai fraquejar. Começou a perder para o Facebook e, para complicar, o Google lançou sua rede, o Google+, fazendo com que a rede social preferida de muitos brasileiros vá se tornando uma heroica jangada à deriva. 

Se a nossa Biblioteca Nacional tiver um mínimo de visão e conexão com o presente, deveria começar a agir já. É preciso preservar o conteúdo integral do Orkut. Criar um espelho público do site que registrou boa parte do que aconteceu nessa incrível década passada. Década em que muitos brasileiros isolados na geografia ou socialmente puderam conviver no mesmo espaço, trazendo suas esperanças e conflitos. A Biblioteca Nacional não deve perder um segundo a mais. Precisa criar uma linha de preservação da memória digital do país, a começar pelo Orkut. São capítulos importantes da história do “andar de baixo” que podem acabar como milhões de processos que vêm sendo destruídos: a fogueira, nesse caso, virtual.

*Ronaldo Lemos, 34, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Nós, a informação, o conhecimento, a história

Dia histórico e tarefas gigantes

18nov11
 
Dezoito de novembro de 2011.
Essa data entra para a história da jovem Democracia brasileira. Nesta data ganham proteção jurídica o acesso a informações públicas e a busca pela verdade dos crimes ocorridos durante a Ditadura (lei que cria a Comissão da Verdade).

A Lei de Acesso à Informação Pública, que garante o acesso de qualquer interessado a dados e documentos detidos pelos governos (e por organizações que recebem dinheiro público), é um enorme passo na consolidação democrática do Brasil.

Entretanto, a abertura garantida pela nova lei tem que funcionar na prática.

E, para isso, há tarefas gigantescas para cumprirmos. Tanto do lado da Administração Pública quanto do lado da Sociedade Civil. Até porque essa lei serve para melhorar a relação entre Estado e Sociedade; portanto, os dois lados têm que trabalhar.

Tarefas da Administração Pública:
  • Montar um sistema de acesso a informações, com especificações sobre quem deve receber o pedido de informação e quem deve decidir se a informação será entregue (no Executivo federal, a CGU disse estar cuidando disso, com o SIC; oremos; e esperemos que estados e municípios, Legislativo e Judiciário também façam algo a respeito).
  • Melhorar o gerenciamento de informações: é preciso registrar as informações e organizá-las. Para que saibamos quem detém as informações. Enorme desafio, principalmente para estados e municípios.
  • Eliminar a cultura do segredo. A melhor forma de fazer isso é aplicar a lei, com as sanções devidas aos servidores públicos que se negarem a entregar informações solicitadas.
Tarefas da Sociedade Civil
  • Monitorar o cumprimento da lei, realizando estudos e pesqusias para medir a quantidade de respostas e não-respostas a pedidos de informação.
  • Conscientizar a respeito da lei e de sua importância. Fazer campanhas, contar histórias de sucesso.
  • Ajudar os governos a montar os melhores sistemas de acesso. Tanto no que diz respeito à transparência passiva (sistemas para receber solicitações) como a transparência ativa (publicação de dados e informações)
E, claro, precisamos nos apropriar das informações. Chegar a elas é um grande passo. Mas precisamos remixar, cruzar, juntar. Enfim, dar sentido às informações.  Para produzir conhecimentos que possam garantir um debate político mais rico e um Estado mais eficaz. Para garantir um Estado que pomova os Direitos Humanos e que seja livre de corrupção.

Trabalho para uma geração. Mas à obra.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ainda sobre "escritas profissionais e processos de edição e circulação": o fato, a notícia, a crônica...

Fonte: Viomundo

Meu encontro com Nem

Ruth de Aquino, em Época , sugerido por Fernando


Era sexta-feira 4 de novembro. Cheguei à Rua 2 às 18 horas. Ali fica, num beco, a casa comprada recentemente por Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, por R$ 115 mil. Apenas dez minutos de carro separam minha casa no asfalto do coração da Rocinha. Por meio de contatos na favela com uma igreja que recupera drogados, traficantes e prostitutas, ficara acertado um encontro com Nem. Aos 35 anos, ele era o chefe do tráfico na favela havia seis anos. Era o dono do morro.


Queria entender o homem por trás do mito do “inimigo número um” da cidade. Nem é tratado de “presidente” por quem convive com ele. Temido e cortejado. Às terças-feiras, recebia a comunidade e analisava pedidos e disputas. Sexta era dia de pagamentos. Me disseram que ele dormia de dia e trabalhava à noite – e que é muito ligado à mãe, com quem sai de braços dados, para conversar e beber cerveja. Comprou várias casas nos últimos tempos e havia boatos fortes de que se entregaria em breve.


Logo que cheguei, soube que tinha passado por ele junto à mesa de pingue-pongue na rua. Todos sabiam que eu era uma pessoa “de fora”, do outro lado do muro invisível, no asfalto. Valas e uma montanha de lixo na esquina mostram o abandono de uma rua que já teve um posto policial, hoje fechado. Uma latinha vazia passa zunindo perto de meu rosto – tinha sido jogada por uma moça de short que passou de moto.


Aguardei por três horas, fui levada a diferentes lugares. Meus intermediários estavam nervosos porque “cabeças rolariam se tivesse um botãozinho na roupa para gravar ou uma câmera escondida”. Cheguei a perguntar: “Não está havendo uma inversão? Não deveria ser eu a estar nervosa e com medo?”. Às 21 horas, na garupa de um mototáxi, sem capacete, subi por vielas esburacadas e escuras, tirando fino dos ônibus e ouvindo o ruído da Rocinha, misto de funk, alto-falantes e televisores nos botequins. Cruzei com a loura Danúbia, atual mulher de Nem, pilo-tando uma moto laranja, com os cabelos longos na cintura. Fui até o alto, na Vila Verde, e tive a primeira surpresa.


Não encontrei Nem numa sala malocada, cercado de homens armados. O cenário não podia ser mais inocente. Era público, bem iluminado e aberto: o novo campo de futebol da Rocinha, com grama sintética. Crianças e adultos jogavam. O céu estava estrelado e a vista mostrava as luzes dos barracos que abrigam 70 mil moradores. Nem se preparava para entrar em campo. Enfaixava com muitos esparadrapos o tornozelo direito. Mal me olhava nesse ritual. Conversava com um pastor sobre um rapaz viciado de 22 anos: “Pegou ele, pastor? Não pode desistir. A igreja não pode desistir nunca de recuperar alguém. Caraca, ele estava limpo, sem droga, tinha encontrado um emprego… me fala depois”, disse Nem. Colocou o meião, a tornozeleira por cima e levantou, me olhando de frente.


Foi a segunda surpresa. Alto, moreno e musculoso, muito diferente da imagem divulgada na mídia, de um rapaz franzino com topete descolorido e riso antipático, como o do Coringa. Nem é pai de sete filhos. “Dois me adotaram; me chamam de pai e me pedem bênção.” O último é um bebê com Danúbia, que montou um salão de beleza, segundo ele “com empréstimo no banco, e está pagando as prestações”. Nem é flamenguista doente. Mas vestia azul e branco, cores de seu time na favela. Camisa da Nike sem manga, boné, chuteiras.


– Em que posição você joga, Nem? – perguntei.


– De teimoso – disse, rindo –, meu tornozelo é bichado e ninguém me respeita mais em campo.


Foi uma conversa de 30 minutos, em pé. Educado, tranquilo, me chamou de senhora, não falou palavrão e não comentou acusações que pesam contra ele. Disse que não daria entrevista. “Para quê? Ninguém vai acreditar em mim, mas não sou o bandido mais perigoso do Rio.” Não quis gravador nem fotos. Meu silêncio foi mantido até sua prisão. A seguir, a reconstituição de um extrato de nossa conversa.


Nem, líder do tráfico


UPP “O Rio precisava de um projeto assim. A sociedade tem razão em não suportar bandidos descendo armados do morro para assaltar no asfalto e depois voltar. Aqui na Rocinha não tem roubo de carro, ninguém rouba nada, às vezes uma moto ou outra. Não gosto de ver bandido com um monte de arma pendurada, fantasiado. A UPP é um projeto excelente, mas tem problemas. Imagina os policiais mal remunerados, mesmo os novos, controlando todos os becos de uma favela. Quantos não vão aceitar R$ 100 para ignorar a boca de fumo?”


Beltrame “Um dos caras mais inteligentes que já vi. Se tivesse mais caras assim, tudo seria melhor. Ele fala o que tem de ser dito. UPP não adianta se for só ocupação policial. Tem de botar ginásios de esporte, escolas, dar oportunidade. Como pode Cuba ter mais medalhas que a gente em Olimpíada? Se um filho de pobre fizesse prova do Enem com a mesma chance de um filho de rico, ele não ia para o tráfico. Ia para a faculdade.”


Religião “Não vou para o inferno. Leio a Bíblia sempre, pergunto a meus filhos todo dia se foram à escola, tento impedir garotos de entrar no crime, dou dinheiro para comida, aluguel, escola, para sumir daqui. Faço cultos na minha casa, chamo pastores. Mas não tenho ligação com nenhuma igreja. Minha ligação é com Deus. Aprendi a rezar criancinha, com meu pai. Mas só de uns sete anos para cá comecei a entender melhor os crentes. Acho que Deus tem algum plano para mim. Ele vai abrir alguma porta.”


Prisão “É muito ruim a vida do crime. Eu e um monte queremos largar. Bom é poder ir à praia, ao cinema, passear com a família sem medo de ser perseguido ou morto. Queria dormir em paz. Levar meu filho ao zoológico. Tenho medo de faltar a meus filhos. Porque o pai tem mais autoridade que a mãe. Diz que não, e é não. Na Colômbia, eles tiraram do crime milhares de guerrilheiros das Farc porque deram anistia e oportunidade para se integrarem à sociedade. Não peço anistia. Quero pagar minha dívida com a sociedade.”


Drogas “Não uso droga, só bebo com os amigos. Acho que em menos de 20 anos a maconha vai ser liberada no Brasil. Nos Estados Unidos, está quase. Já pensou quanto as empresas iam lucrar? Iam engolir o tráfico. Não negocio crack e proíbo trazer crack para a Rocinha. Porque isso destrói as pessoas, as famílias e a comunidade inteira. Conheço gente que usa cocaína há 30 anos e que funciona. Mas com o crack as pessoas assaltam e roubam tudo na frente.”


Recuperação “Mando para a casa de recuperação na Cidade de Deus garotas prostitutas, meninos viciados. Para não cair na vida nem ficar doente com aids, essa meninada precisa ter família e futuro. A UPP, para dar certo, precisa fazer a inclusão social dessas pessoas. É o que diz o Beltrame. E eu digo a todos os meus que estão no tráfico: a hora é agora. Quem quiser se recuperar vai para a igreja e se entrega para pagar o que deve e se salvar.”


Ídolo “Meu ídolo é o Lula. Adoro o Lula. Ele foi quem combateu o crime com mais sucesso. Por causa do PAC da Rocinha. Cinquenta dos meus homens saíram do tráfico para trabalhar nas obras. Sabe quantos voltaram para o crime? Nenhum. Porque viram que tinham trabalho e futuro na construção civil.”


Policiais “Pago muito por mês a policiais. Mas tenho mais policiais amigos do que policiais a quem eu pago. Eles sabem que eu digo: nada de atirar em policial que entra na favela. São todos pais de família, vêm para cá mandados, vão levar um tiro sem mais nem menos?”


Tráfico “Sei que dizem que entrei no tráfico por causa da minha filha. Ela tinha 10 meses e uma doença raríssima, precisava colocar cateter, um troço caro, e o Lulu (ex-chefe) me emprestou o dinheiro. Mas prefiro dizer que entrei no tráfico porque entrei. E não compensa.”


Nem estava ansioso para jogar futebol. Acabara de sair da academia onde faz musculação. Não me mandou embora, mas percebi que meu tempo tinha acabado. Desci a pé. Demorei a dormir.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O que se diz na tevê e o que se diz fora dela?

Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP

Ontem participei, a convite do Grêmio da FAU, de um debate sobre a questão da segurança na USP e a crise que se instalou desde a semana passada, quando policiais abordaram estudantes da FFLCH, cujos colegas reagiram. Além de mim, estavam na mesa  o professor Alexandre Delijaicov, também da FAU, e um estudante, representando o movimento de ocupação da Reitoria.

Para além da polêmica em torno da ocupação da Reitoria, me parece que estão em jogo nessa questão três aspectos que têm sido muito pouco abordados. O primeiro refere-se à estrutura de gestão dos processos decisórios dentro da USP: quem e em que circunstâncias decide os rumos da universidade? Não apenas com relação à presença da Polícia Militar ou não, mas com relação à existência de uma estação de metrô dentro do campus ou não, ou da própria política de ensino e pesquisa da universidade e sua relação com a sociedade. A gestão da USP e de seus processos decisórios é absolutamente estruturada em torno da hierarquia da carreira acadêmica.

Há muito tempo está claro que esse modelo não tem capacidade de expressar e representar os distintos segmentos que compõem a universidade, nem de lidar com os conflitos, movimentos e experiências sociopolíticas que dela emergem. O fato é que a direção da USP não se contaminou positivamente pelas experiências de gestão democrática, compartilhada e participativa vividas em vários âmbitos e níveis da gestão pública no Brasil. Enfim, a Universidade de São Paulo não se democratizou.

Um segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si. É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo urbanístico do campus, segregado, unifuncional, com densidade de ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campi do Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da segurança tem muito a ver com a equação urbanística.

Finalmente, há o debate sobre a presença ou não da PM no campus. Algumas perguntas precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade? Em parte, a resposta dada hoje pela gestão da USP é que a universidade não faz parte da cidade: aqui há poucos serviços para a população, poucas moradias, não pode haver estação de metrô, exige-se carteirinha para entrar à noite e durante o fim de semana. Tudo isso combina com a lógica de que a polícia não deve entrar aqui. Mas a questão é maior: se a entrada da PM no campus significa uma restrição à liberdade de pensamento, de comportamento, de organização e de ação política, nós não deveríamos discutir isso pro conjunto da cidade? Então na USP não pode, mas na cidade toda pode? Que PM é essa?

Essas questões mostram que o que está em jogo é muito mais complexo do que a polêmica sobre a presença ou não da PM no campus.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Notícias do NPC 
1º Encontro Mundial de blogueiros: ativismo na rede precisa do “mundo real” para se concretizar
Publicado em 31.10.11 - por Opera Mundi
As batalhas travadas nas novas mídias devem ser apropriadas pelos movimentos sociais e populares, pois as grandes transformações são realizadas por meio da pressão nas ruas. Esse foi o consenso entre os debatedores dos painéis que abordaram experiências na América Latina durante o 1º Encontro Internacional de Blogueiros Progressistas em Foz do Iguaçu, Paraná.
 
Apesar de reconhecerem o papel das redes sociais e da blogosfera, os debatedores foram unânimes na opinião que “as revoluções devem ultrapassar as barreiras da rede mundial de computadores”.
 
“Só teremos democratização da informação com a luta dos movimentos sociais, com a atuação do movimento dos direitos humanos”, afirmou o equatoriano Osvaldo Leon, editor da Agência Latinoamericana de Informação (Alai).
 
Para ele, é importante os ciberativistas trazerem os movimentos sociais para o debate sobre a comunicação, usando como exemplo o que vem acontecendo em seu país com os povos camponeses e indígenas. “Estamos trabalhando para que essas organizações assumam em suas lutas programáticas a pauta da comunicação”, disse.
 
Um dos benefícios registrados é a incidência de rádios comunitárias no Equador. “No Equador e a Bolívia temos rádios espalhadas por várias comunidades”, destacou. Outra bandeira aderida pelos movimentos populares equatorianos, segundo Leon, é da expansão da conectividade da internet para todo o conjunto da população.
 
Web não é garantia
 
O cubano Iroel Sánchez, blogueiro da página La Pupila Insomne e do site CubaDebate engrossou o coro de que as batalhas na blogosfera devem ganhar às ruas. “A web por si só, não é a garantia da democracia”, apontou. Ele usou como exemplo o bloqueio econômico imposto por Cuba para exemplificar essa necessidade de organização: “os 50 anos seguidos de agressão nos obrigaram a nos organizarmos.”
 
Esse cenário na ilha, segundo Sánchez, vem acontecendo no campo da internet e das redes sociais por meio das redes de socialização de tecnologia. “Os cubanos entendem que a internet e a blogosfera não são redes de consumo, mas sim de conhecimento”, lembrando que os blogs exercem a função de construir uma agenda aos silenciados dos movimentos sociais.
 
O professor universitário argentino Martin Becerra também fez restrições ao fato da blogosfera ainda não ser um movimento de massa. “A blogosfera ainda não é uma rede massiva, diferente dos grandes meios que atingem a comunicação de massa”.  E completa. “A democratização das informações passa pelas lutas no campo popular”. 
 
Na mesma linha segue seu compatriota Martin Granovsky, editor do jornal Página 12. “As conquistas de liberdades individuais são conquistas dos povos”, citando como exemplo a aprovação da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, a chamada ‘Ley dos Medios’.
 
“A Lei dos Meios faz parte de um projeto de universalidade da informação, obtido com o clamor dos movimentos organizados diante do cenário de monopolização da comunicação”. Para o jornalista, a blogosfera precisa “despertar as inquietações e revoltas democratizantes, aos moldes do acontecido na região da Primavera Árabe”. 
 
"Zumbis"
 
Pela primeira vez na América do Sul, o canadense Jesse Freeston – ativista dos direitos humanos que participou de redes de solidariedade em Honduras – também apontou para a necessidade da aproximação dos ciberativistas com os movimentos do campo popular, citando a luta dos povos indígenas e dos povos pelo direito à terra.
 
O ativista fez uma analogia com o movimento Ocuppy iniciado nas redes sociais. “Ocupação não é feita por meio de Ipad, Ipods ou notebooks, as transformações não são feitas na internet, mas sim nas ruas”. Ele alerta para o caminho alienante proporcionado pelo advento das mídias sociais. “As pessoas estão parecendo ‘homos-cibernéticos’, vivendo como espécies de zumbis digitais e com isso estão deixando de socializar”.
 
Carta de Foz
 
O I Encontro Mundial de Blogueiros Progressistas foi encerrado com a aprovação da ‘Carta de Foz’, com expectativas de políticas públicas e ações para a blogosfera para os próximos meses.
 
O documento amplo aponta prioridades como a democratização da comunicação, liberdade ao direito humano da informação, luta contra qualquer tipo de censura de poderes públicos, condenação a judicialização da censura à internet, novo marco regulatório da comunicação, bandeira do software livre, acesso universal a banda larga de qualidade, entre outros pontos.
 
Os participantes também aprovaram a realização do II Encontro Mundial de Blogueiros, em novembro de 2012, na cidade de Foz do Iguaçu. Segundo os organizadores, o evento contou com 654 inscritos, de 17 estados brasileiros e 23 países.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Cadeia criativa e cadeia produtiva do audiovisual: o que é? quem faz? pra quê?

O Plano Nacional de Educação e a expansão do audiovisual no Brasil

O Plano Nacional de Educação quer garantir a conexão à internet de todas as escolas públicas por meio de banda larga até 2016. Este processo será simultâneo à ampliação do tempo escolar que pode chegar a 7 horas diárias em metade das escolas públicas de educação básica do país em 10 anos. A ampliação do acesso abre uma grande oportunidade para a cadeia produtiva do audiovisual brasileiro que atua com foco em materiais pedagógicos para os públicos infantil e juvenil. O artigo é de Glauber Piva.


O Plano Nacional de Educação - PNE - é um grande programa de expansão educacional que foi apresentado pelo Ministério da Educação e está em debate no Congresso Nacional. Uma de suas metas é de garantir a conexão à Internet de todas as escolas públicas do país por meio de Banda Larga até 2016. Este acesso, além de ser um oportuno instrumento pedagógico, também vai ampliar a integração de crianças e jovens ao mundo digital e o primeiro e principal impacto será nas regiões de interior do norte, nordeste e centro-oeste. Vale lembrar que este processo será simultâneo à ampliação do tempo escolar que pode chegar a 7 horas diárias em metade das escolas públicas de educação básica do país em 10 anos. A expansão das Universidades Públicas e dos Institutos Federais de Educação Tecnológica de Ensino Médio também aponta nesta mesma tendência.

Observando mais especificamente a proposta de conexão rápida à internet nestas instituições educacionais, vemos que ela ampliará a circulação de conteúdos audiovisuais e será um gigantesco espaço para as obras brasileiras. O consumo prioritário será o de obras educacionais em todas as suas dimensões, como portais especializados, games educativos e materiais didáticos das mais diferentes temáticas e metodologias, mas o acesso regular ao audiovisual nas instituições escolares também estimulará a demanda por todos os tipos de conteúdo.

A rede digital que integrará toda a infância e juventude do país também será um espaço privilegiado de fruição cultural, permitindo o acesso à cinematografia, fotografia, artes visuais, dramaturgia, música e literatura, constituindo-se, também, num importante e necessário instrumento de formação e exercício de cidadania cultural.

Em 2016, a dimensão estimada da população escolar entre 4 e 24 anos em instituições públicas será de mais de 43 milhões, sendo que mais de 4 milhões terão entre 4 e 5 anos, 23 milhões entre 6 e 14 anos, 9 milhões entre 15 e 17 anos e 6 milhões entre 18 e 24 anos. E, destes, mais de 18 milhões dos que terão menos de 17 anos estudarão em escolas com computadores e em tempo integral.

A ampliação do acesso abre uma grande oportunidade para toda cadeia produtiva do audiovisual brasileiro que atua com foco em materiais pedagógicos para os públicos infantil e juvenil. Ao mesmo tempo em que é uma oportunidade para as empresas brasileiras de produção independente, pela perspectiva econômica óbvia e, também, pela possibilidade de formação de platéia e o que isso representará a médio e longo prazos, é também uma contingência estratégica, já que o consumo audiovisual nestes segmentos afetará diretamente a afirmação de nossas identidades.

O poder público, em particular o Ministério das Comunicações, o MEC, o MINC e a Ancine, mas também governos estaduais e prefeituras, deve fomentar programas de estímulo a pesquisas e desenvolvimento, produção e circulação de obras audiovisuais na internet para crianças e adolescentes, principalmente nos segmentos educacionais, possibilitando oferta de obras de interesse nacional, brasileiras e de produção independente.

É urgente que se ofereça aos professores, de maneira continuada, a oportunidade de domínio da linguagem audiovisual e formação de um repertório de referências estéticas. O acesso qualificado aos conteúdos audiovisuais será ampliado na medida em que os professores os conhecerem e os utilizarem. Por outro lado, os milhões de estudantes também serão autores/produtores de seus próprios conteúdos audiovisuais e estarão disponibilizando textos, vídeos, ilustrações e fotografias de todos os tipos.

Esta é uma situação ímpar. Precisamos agir rápido para ocupar um espaço necessário e que é estratégico para os interesses nacionais. Mas é possível ir além.

Devemos estimular o debate sobre a regulamentação do artigo 27 da MP 2.228-1/2001. Este artigo prevê a disponibilização gratuita para fins educacionais, em canais educativos mantidos com recursos públicos nos serviços de radiodifusão de sons e imagens e nos estabelecimentos públicos de ensino, das obras financiadas com recursos públicos, desde que respeitados os contratos existentes. A regulamentação deste artigo é importante, pois, numa perspectiva crítica, é no encontro da educação com a cultura que a democracia se sedimenta e a cidadania cultural se torna vetor de transformação.

A consolidação e visibilidade de nossa diversidade cultural se darão na medida em que o audiovisual que produzimos transite como linguagem, como oportunidade e experiência estética e social entre nossas crianças e jovens. Além disso, esta perspectiva também alimentará novas economias e novos ambientes de negócio. Assim, diversidade cultural e oportunidade econômica dialogarão habilmente com a consolidação do modelo democrático e de cidadania cultural que estamos construindo no Brasil.

(*) Glauber Piva, sociólogo, é Diretor da Ancine – Agência Nacional do Cinema.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Quem, afinal, tem o que dizer diante da megacrise do império?

Viver entre os 1%

Quando se é trabalhador, de família de trabalhadores, todos cuidam de todos, e quando um se dá bem, ou outros vibram de orgulho – não só pelo que conseguiu ter sucesso, mas porque, de algum modo, um de nós venceu, derrotou o sistema brutal contra todos, que comanda um jogo cujas regras são distorcidas contra nós. Nós conhecíamos as regras, e as regras diziam que nós, ratos das fábricas da cidade, nunca conseguíamos fazer cinema, ou aparecer em entrevistas na televisão ou conseguíamos fazer-nos ouvir em palanque nacional. O artigo é de Michael Moore.

Tradução do Coletivo da Vila Vudu

 

Amigos,

Há 22 anos, que se completam nesta terça-feira, estava com um grupo de operários, estudantes e desempregados no centro da cidade onde nasci, Flint, Michigan, para anunciar que o estúdio Warner Bros, de Hollywood, comprara os direitos de distribuição do meu primeiro filme, “Roger & Me”. Um jornalista perguntou: “Por quanto vendeu?”

“Três milhões de dólares” – respondi com orgulho. Houve um grito de admiração, do pessoal dos sindicatos que me cercava. Nunca acontecera, nunca, que alguém da classe trabalhadora de Flint (ou de lugar algum) tivesse recebido tanto dinheiro, a menos que um dos nossos roubasse um banco ou, por sorte, ganhasse o grande prêmio da loteria de Michigan.

Naquele dia ensolarado de novembro de 1989, foi como se eu tivesse ganho o grande prêmio da loteria – e o pessoal com quem eu vivia e lutava em Michigan ficou eufórico com o meu sucesso. Foi como se um de nós, finalmente, tivesse conseguido, tivesse chegado lá, como se a sorte finalmente nos tivesse sorrido. O dia acabou em festa. Quando se é trabalhador, de família de trabalhadores, todos cuidam de todos, e quando um se dá bem, ou outros vibram de orgulho – não só pelo que conseguiu ter sucesso, mas porque, de algum modo, um de nós venceu, derrotou o sistema brutal contra todos, sem mercê, que comanda um jogo cujas regras são distorcidas contra nós.

Nós conhecíamos as regras, e as regras diziam que nós, ratos das fábricas da cidade, nunca conseguíamos fazer cinema, ou aparecer em entrevistas na televisão ou conseguíamos fazer-nos ouvir em palanque nacional. A nossa parte deveria ser ficar de bico calado, cabeça baixa, e voltar ao trabalho. E, como que por milagre, um de nós escapara dali, estava a ser ouvido e visto por milhões de pessoas e estava ‘cheio de massa’ – santa mãe de deus, preparem-se! Um palanque e muito dinheiro... agora, sim, é que os de cima vão ver!

Naquele momento, eu sobrevivia com o subsídio de desemprego, 98 dólares por semana. Saúde pública. O meu carro morrera em abril: sete meses sem carro. Os amigos convidavam-me para jantar e sempre pagavam a conta antes que chegasse à mesa, para me poupar ao vexame de não poder dividi-la.

E então, de repente, lá estava eu montado em três milhões de dólares. O que eu faria do dinheiro? Muitos rapazes de terno e gravata apareceram com montes de sugestões, e logo vi que, quem não tivesse forte sentido de responsabilidade social, seria facilmente arrastado pela via do “eu-eu” e muito rapidamente esqueceria a via do “nós-nós”.

Em 1989, então, tomei decisões fáceis:

1. Primeiro de tudo, pagar todos os meus impostos. Disse ao sujeito que fez a declaração de rendimentos, que não declarasse nenhuma dedução além da hipoteca; e que pagasse todos os impostos federais, estaduais e municipais. Com muita honra, paguei quase um milhão de dólares pelo privilégio de ser norte-americano, cidadão deste grande país.

2. Os 2 milhões que sobraram, decidi dividir pelo padrão que, uma vez, o cantor e activista Harry Chapin me ensinou, sobre como ele próprio vivia: “Um para mim, um para o companheiro”. Então, peguei metade do dinheiro – e criei uma fundação para distribuir o dinheiro.

3. O milhão que sobrou, foi usado assim: paguei todas as minhas dívidas, algumas que eu devia aos meus melhores amigos e vários parentes; comprei um frigorífico para os meus pais; criei fundos para pagar a universidade das sobrinhas e sobrinhos; ajudei a reconstruir uma igreja de negros destruída num incêndio, lá em Flint; distribuí mil perus no Dia de Ação de Graças; comprei equipamento de filmagem e mandei para o Vietnã (a minha ação pessoal, para reparar parte do mal que fizemos àquele país, que nós destruímos); compro, todos os anos, 10 mil brinquedos, que dou a Toys for Tots no Natal; e comprei para mim uma moto Honda, fabricada nos EUA, e um apartamento hipotecado, em Nova York.

4. O que sobrou, depositei numa conta de poupança simples, que paga juros baixos. Tomei a decisão de jamais comprar ações. Nunca entendi o cassino chamado Bolsa de Valores de Nova York, nem acredito em investir num sistema com o qual não concordo.

5. Sempre entendi que o conceito do dinheiro que gera dinheiro criara uma classe de gente gananciosa, preguiçosa, que nada produz além de miséria e medo para os pobres. Eles inventaram meios de comprar empresas menores, para imediatamente as fechar. Inventaram esquemas para jogar com as poupanças e reformas dos pobres, como se o dinheiro dos outros fosse dinheiro deles. Exigiram que as empresas sempre registassem lucros (o que as empresas só conseguiram porque despediram milhares de trabalhadores e acabaram com os serviços de saúde pública para os que ainda tinham empregos). Decidi que, se ia afinal ‘ganhar a vida’, teria de ganhá-la com o meu trabalho, o meu suor, as minhas ideias, a minha criatividade. Eu produziria produtos tangíveis, algo que pudesse ser partilhado com todos ou de que todos gostassem, como entretenimento, ou do qual pudessem aprender alguma coisa. O meu trabalho, sim, criaria empregos, bons empregos, com salários decentes e todos os benefícios de assistência médica.

Continuei a fazer filmes, a produzir séries de televisão e a escrever livros. Nunca iniciei um projecto pensando “quanto dinheiro posso ganhar com isso?”. Nunca deixei que o dinheiro fosse a força que me fizesse fazer qualquer coisa. Fiz, simplesmente, exatamente o que queria fazer. Essa atitude ajuda a manter honesto o meu trabalho – e, acho, ao mesmo tempo, que resultou em milhões de pessoas que compram bilhetes para assistir aos meus filmes, assistem aos programas que produzo e compram os meus livros.

E isso, precisamente, enlouqueceu a direita. Como é possível que alguém da esquerda tenha tanta audiência no ‘grande público’?! Não pode ser! Não era para acontecer (Noam Chomsky, infelizmente, não vai aparecer no Today View de hoje; e Howard Zinn, espantosamente, só chegou à lista dos mais vendidos do New York Times depois de morto). Assim opera a máquina dos meios de comunicação. Está regulada para que ninguém jamais ouça falar dos que, se pudessem, mudariam todo o sistema, para coisa muito melhor. Só liberais sem personalidade, que vivem de exigir cautela e concessões e reformas lentas, aparecem com os nomes impressos nas páginas de editoriais dos jornais ou nos programas da televisão aos domingos.

Eu, de algum modo, encontrei uma brecha na muralha e meti-me por ali. Sinto-me abençoado, podendo viver como vivo – e não ajo como se tudo fosse garantido para sempre. Acredito nas lições que aprendi numa escola católica: que se tens sucesso, maior é a tua responsabilidade por quem não tenha a mesma sorte. “Os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.” Meio comunista, eu sei, mas a ideia é que a família humana existe para partilhar com justiça as riquezas da terra, para que os filhos de Deus passem por esta vida com menos sofrimento.

Dei-me bem – para autor de documentários, dei-me super bem. Isso, também, faz enlouquecer os conservadores. “Você está rico por causa do capitalismo!” – gritam. Hummm... Não. Não assistiram às aulas de Economia I? O capitalismo é um sistema, um esquema ‘pirâmide’ que explora a vasta maioria, para que uns poucos, no topo, enriqueçam cada vez mais. Ganhei o meu dinheiro à moda antiga, honestamente, fabricando produtos, coisas. Nuns anos, ganho uma montanha de dinheiro, noutros anos, como o ano passado, não tenho trabalho (nada de filme, nada de livro); então, ganho muito menos. “Como é que você diz que defende os pobres, se você é rico, exatamente o contrário de ser pobre?!” É o mesmo argumento de quem diz que, “Você nunca fez sexo com outro homem! Como pode ser a favor do casamento entre dois homens?!"

Penso como pensava aquele Congresso só de homens que votou a favor do voto para as mulheres, ou como os muitos brancos que foram às ruas, marchar com Martin Luther Ling, Jr. (E lá vem a direita, aos gritos, ao longo da história: “Hei! Você não é negro! Você nem foi linchado! Por que está a favor dos negros?!”). Essa desconexão impede que os Republicanos entendam por que alguém dá o próprio tempo ou o próprio dinheiro para ajudar quem tenha menos sorte. É coisa que o cérebro da direita não consegue processar. “Kanye West ganha milhões! O que está a fazer lá, em Occupy Wall Street?!”. Exatamente – lá está, exigindo que aumentem os impostos a ele mesmo. Isso, para a direita, é definição de loucura. Todo o resto do mundo somos muito gratos que gente como ele se tenha levantado, ainda que – e sobretudo porque – é gente que se levantou contra os seus interesses pessoais financeiros. É precisamente a atitude que a Bíblia, que aqueles conservadores tanto exaltam por aí, exige de todos os ricos.

Naquele dia distante, em novembro de 1989, quando vendi o meu primeiro filme, um grande amigo meu disse o seguinte: “Eles cometeram um erro muito grave, ao entregar tanto dinheiro a um sujeito como tu. Essa massa fará de ti um homem perigosíssimo. É prova do acerto do velho dito popular: ‘Capitalista é o sujeito que te vende a corda para se enforcar a ele mesmo, se achar que, na venda, pode ganhar algum dinheiro.”

Atenciosamente,

Michael Moore

MMFlint@MichaelMoore.com
27/10/2011
Conheça mais desse trabalho de difusão textual: Outras Palavras - Comunicação compartilhada e Pós-capitalismo – EM MUDANÇAS!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

“As pesquisas não mudam a realidade. Quem muda a realidade é o homem. Agora, as pesquisas, as teorias mudam o homem. Se mudarem o homem, ele muda a realidade"...

Pobres que trabalham e estudam têm jornada maior que operários do século XIX

por Fernando César Oliveira, site da UFPR

O economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), classificou ontem à noite em Curitiba como “heróis” os brasileiros de famílias pobres capazes de conciliar o trabalho com o estudo.

“No Brasil, dificilmente um filho de rico começa a trabalhar antes de terminar a graduação ou, em alguns casos, até mesmo a pós-graduação”, observou Pochmann.

“Os brasileiros pobres que estudam e trabalham são verdadeiros heróis. Submetem-se a uma jornada de até 16 horas diárias, oito de trabalho, quatro de estudo e outras quatro de deslocamento. Isso é mais do que os operários no século XIX.”

O presidente do Ipea foi um dos palestrantes na abertura da terceira edição do Seminário Sociologia & Política, ao lado da professora Celi Scalon (UFRJ), no Teatro da Reitoria da UFPR. “Repensando Desigualdades em Novos Contextos” é o tema geral do seminário. Promovido pelos programas de pós-graduação em Sociologia e em Ciência Política da instituição, o evento termina nesta quarta-feira (28).

Pochmann lembrou que o Brasil levou cem anos, desde a proclamação da República, em 1889, para universalizar o acesso das crianças e adolescentes ao ensino fundamental. “Mas esse acesso foi condicionado ao não crescimento dos recursos da educação, que permaneceram em torno de 4,1% ou 4,3% do PIB. Sem ampliar os recursos, aumentamos as vagas com a queda da qualidade do ensino.”

Essa universalização do ensino fundamental, no entanto, não significa que 100% dos brasileiros em idade escolar estejam estudando. Segundo dados apresentados pelo dirigente do Ipea, ainda existem 400 mil brasileiros com até 14 anos fora da escola. Se essa faixa etária for estendida para 16 anos, a cifra salta para 3,8 milhões de pessoas.

“A cada dez brasileiros, um é analfabeto. E ainda temos cerca de 45% analfabetos funcionais. É muito difícil fazer valer a democracia com esse cenário.”

Em sua fala, Marcio Pochmann também abordou temas como a redução da taxa de fecundidade das mulheres brasileiras, o crescimento da população idosa, o monopólio das corporações privadas transnacionais e a concentração da propriedade da terra.

“O Brasil não fez uma reforma agrária, não democratizou o acesso à terra. Temos uma estrutura fundiária mais concentrada do que em 1920, com o agravante de que parte dela está nas mãos de estrangeiros”, afirmou o economista. “De um lado, 40 mil proprietários rurais são donos de 50% da terra agriculturável do país, e elegem de 100 a 120 deputados federais. De outro, 14 milhões trabalhadores rurais, os agricultores familiares, elegem apenas de seis a dez deputados.”

Para Marcio Pochmann, a desigualdade é um produto do subdesenvolvimento. “Não que os países desenvolvidos não tenham desigualdade, mas não de forma tão escandalosa.”

Nem revolucionário, nem reformista

Segundo o presidente do Ipea, a participação dos 10% mais ricos no estoque da riqueza brasileira não mudou nos últimos três séculos. Permanece estacionada na faixa percentual em torno de 70 a 75%.
“Somos um país de cultura autoritária, com 500 anos de história e menos de 50 anos de vivência democrática. O Brasil não é um país reformista e muito menos revolucionário”, sentencia Pochmann. “A baixa tradição de uma cultura partidária capaz de construir convergências nacionais nos subordina a interesses outros que não os da maioria da população.”

Marcio Pochmann afirmou que os ricos não pagam impostos no Brasil. “Quem tem carro, paga IPVA. Quem tem lancha, avião ou helicóptero, não paga nada. E o ITR [Imposto Territorial Rural] é só pra inglês ver”, exemplificou. “Quem paga imposto no Brasil são basicamente os pobres.”

Um estudo do Ipea teria demonstrado que os moradores de favelas pagam proporcionalmente mais IPTU do que os brasileiros que vivem em mansões. “Quem menos paga é quem mais reclama de imposto. Tanto que impostômetro foi feito no centro rico de São Paulo.”

Pochmann observa que o tema das desigualdes não gera manifestações, não gera tensão. “Não há greve em relação às desigualdades.”

Trabalho imaterial

Na avaliação de Márcio Pochmann, a sociedade mundial está cada vez mais assentada no que ele chama de “trabalho imaterial”, associado a novas tecnologias de informação, como aparelhos celulares e microcomputadores. “O trabalhador está cada vez mais levando trabalho pra casa.”

Essa sociedade do trabalho imaterial, conforme o dirigente do Ipea, pressupõe uma sociedade que tenha como principal ativo o conhecimento. “Pressupõe o estudo durante a vida toda, e o ensino superior apenas como piso.”

Pochmann criticou ainda a forma como a comunidade acadêmica tem tratado o tema das desigualdades no país. “O tema tem sido apresentado de forma muito descritiva e pouco de enfrentamento real e efetivo. Em que medida a discussão está ligada a intervenções efetivas, a políticas que possam de fato alterar a realidade como a conhecemos?”

Na avaliação dele, a fragmentação e a especialização das ciências sociais aprofundariam o quadro de alienação sobre o problema das desigualdades.

“As pesquisas não mudam a realidade. Quem muda a realidade é o homem. Agora, as pesquisas, as teorias mudam o homem. Se mudarem o homem, ele muda a realidade. Nada nos impede de fazer isso, a não ser o medo, o medo de ousar.”