domingo, 30 de setembro de 2012

As "gerações interativas"

Pesquisa revela hábitos de uso de TV, computador e celular por jovens

Fonte: ARede

27/09/2012 – Pesquisa realizada pelo Fórum Gerações Interativas, Ibope, Escola do Futuro da USP e Fundação Telefônica publicada nesta quinta-feira (27) mostra que 75% dos adolescentes entre 10 e 18 anos navegam na internet, enquanto entre crianças de 6 a 9 anos o índice é de 47%.

Os dados fazem parte do levantamento “Gerações Interativas Brasil – Crianças e Jovens diante das Telas”. A pesquisa buscou entender o comportamento da geração de nativos digitais brasileiros diante de quatro telas: TV, celular, internet e videogames.

A coleta de dados aconteceu entre 2010 e 2011 junto a 18 mil crianças e jovens, com idades entre 6 e 18 anos. O Ibope ajustou a amostragem, baseado no Censo Escolar de 2007, e o conjunto válido de respondentes foi de 1.948 crianças e 2.271 jovens, pertencentes a um universo que inclui alunos de escolas do ensino público e privado, nas zonas urbana e rural de todas as regiões do país.

A pesquisa traz comparações inéditas quanto ao uso das quatro telas por regiões, faixas etárias, sexo e meio rural ou urbano. Do total dos pesquisados, 51% das crianças, de 6 a 9 anos, e 60% dos jovens e adolescentes, de 10 a 18 anos, declararam possuir computadores em casa; enquanto 38,8% das crianças e 74,7% dos jovens disseram possuir celulares próprios. Além disso, 78,7% das crianças e 62,4% dos adolescentes entrevistados disseram possuir videogames. O levantamento mostra que a TV é a tela predominante, com índices de penetração nos lares entre 94,5%, no caso das crianças, a até 96,3% para os jovens.

O Internet é usada para tarefas escolares, compartilhar músicas, vídeos, fotos, ver páginas na web, utilizar redes sociais, bater papo e usar e-mail. O celular representa a tela de convergência por excelência. Pela ordem, a geração interativa utiliza o aparelho para:
falar (90% dos jovens); mandar mensagens (40%);  ouvir música ou rádio; como relógio/despertador; jogar; como calculadora; fazer fotos; gravar vídeos; ver fotos/vídeos; usar a agenda; baixar arquivos; assistir TV; bater papo; navegar na internet. No entanto, diferenças socioeconômicas entre as regiões impactam na posse e acesso às telas.

A análise detalhada pelas macrorregiões geográficas do país evidenciou diferenças marcantes para os indicadores da inclusão digital dos jovens brasileiros. Observou-se que, enquanto a presença de computadores domésticos atingiu 70,4% das crianças do Sudeste e 55,1% para as residentes no Sul, no Norte e Nordeste estes índices retrocedem para 23,6% e 21,2%, respectivamente.

A pesquisa apontou que os adolescentes brasileiros são capazes de efetivamente realizar, simultaneamente, atividades e tarefas completamente diferentes, principalmente em frente à TV. Pelos menos 71% dos jovens comem, 37% conversam com a família, 34% estudam, 25% falam ao telefone e 18,2% navegam na internet em frente à televisão. Já o celular jamais é desligado por 34,5% dos representantes da geração interativa. Um total de 56,8 dos entrevistados declarou que sequer desligam os aparelhos nas salas de aula.

O comportamento de meninos e de meninas mostrou-se divergente diante das telas digitais. Numa disputa entre celular e videogame, o primeiro é o aparelho preferido por 66% das garotas, enquanto que 54% dos garotos ficam com os jogos.

As meninas recebem mais cuidados ao navegar na internet que os meninos. Um total de 62% delas é instruído a não dar informações pessoais e 54% a não comprar na rede. Os respectivos percentuais para os meninos são: 42% e 47%. As garotas são mais vigiadas também em relação à TV: 57% das entrevistadas são proibidas de assistir alguma coisa na televisão.

Um dado preocupante é que 32% dos pais não observam a navegação dos filhos na internet. Além disso, 40% dos jovens afirmam que nenhum professor usa a web em aula e apenas 11% aprenderam a navegar com um educador. Aliás, 64,2% dos respondentes disseram que aprenderam a usar a internet sozinhos. “Trata-se de uma geração nascida a partir do final da década de 1990, período em que no Brasil as TICs já se encontravam profundamente instaladas e arraigadas na vida cotidiana das famílias e, em maior ou menor grau, também nas escolas”, observa a professora Brasilina Passarelli, coordenadora científica da Escola do Futuro.

Números da pesquisa:
  • 60% dos adolescentes entre 10 e 18 anos e 51% das crianças de 6 a 9 anos têm computador em casa.
  • Apenas 18% das crianças do meio rural possuem computador. Acima dos dez anos, esse número salta para 40%.
  • 83% dos adolescentes e 78% das crianças estão conectados à internet.
  • A região do Brasil mais conectada é a Sudeste, enquanto a menos conectada é a Norte.
  • O maior índice de acessos via Lan Houses ocorre no Nordeste do País. Assim sendo, 47,4% das crianças navegam na net e 75,3% dos adolescentes também, mesmo não tendo computador em casa.
  • 38,8% das crianças possuem celulares próprios, ao passo que 23,4 % usam celulares de pais ou irmãos.
  • 74,7% dos adolescentes possuem celulares próprios
  • 49,8% dos adolescentes têm celulares pré-pagos, enquanto 14,7% possuem pós- pagos.
  • O índice de adolescentes com celulares no meio urbano e rural vem se equilibrando (78% contra 67%, respectivamente).
  • Entre as crianças, o videogame de console mais possuído é o PS2, enquanto o portátil mais possuído é o Nintendo DS.
  • Os adolescentes da Região Sul são os maiores consumidores de jogos piratas, com 21,9% afirmando que “quase todos” seus jogos são piratas.
  • 69,8% dos adolescentes compram jogos piratas de camelôs.
  • Apenas 5,5% das crianças afirmam não ter nenhum aparelho de TV em casa. No caso dos adolescentes, esse número cai para 3,7%.
Convergência das Mídias
  • Entre a Internet e o videogame, jovens de ambos os sexos preferem a Internet. No caso das meninas, 67% preferem internet, enquanto apenas 43% dos meninos preferem a internet e 39% preferem o videogame.
  • Entre a televisão e o celular, as meninas preferem o celular e os meninos, a televisão (eles conectam os consoles nas TVs).
  • Entre o celular e os music players (tipo IPod), as meninas preferem o celular e os meninos os music players.
  • Entre a Internet e o celular, ambos preferem a Internet.
  • Entre celulares e videogames, as meninas preferem o celular e os meninos, o videogame.
  • Escola Pública pouco Conectada
  • 40% dos jovens afirmam que nenhum professor usa a Internet para explicar a matéria e apenas 11% aprenderam a navegar com um professor.
  • Tanto crianças quanto adolescentes costumam navegar na Internet sozinhos. A companhia de professores durante a atividade é muito mais expressiva na região Norte do País.
  • 64,2% dos adolescentes afirmam ser autodidatas no uso da Internet .
  • 38,3% das crianças afirmam utilizar a Internet para estudar e fazer lição de casa e 72,1% acessam o conteúdo de casa.
  • 62% das meninas são instruídas a não fornecer informações pessoais pela rede, e 54% não podem comprar pela internet. Apenas 42% dos meninos são instruídos a não fornecer dados pessoais e 47% são impedidos de comprar.
  • As meninas são mais vigiadas do que os meninos. 57% das meninas são proibidas de assistir alguma coisa na TV.
  • 56,8% dos adolescentes desligam o celular na sala de aula e 34,5% afirmam que nunca desligam.

domingo, 23 de setembro de 2012

Discursivizações sobre a ditadura militar no Brasil: quem diz o quê, como, onde?

Direitos Humanos| 20/09/2012 | Copyleft

“Sou esperançosa, vejo boas intenções, mas eu estou cansada”, diz Hildegard Angel

Em entrevista, Hildegard Angel, filha de Zuzu e irmã de Stuart, conta um pouco de sua luta para preservar e honrar a memória de sua família. Além disso, fala sobre a Lei da Anistia, a Comissão da Verdade, o papel das novas gerações na política e a imprensa brasileira. "Vivemos numa liberdade de imprensa muito relativa, mas não devido ao governo, e sim devido aos interesses capitalistas dos empresários da opinião deste país".

“Quem é essa mulher?” é o verso ecoante da música de Chico Buarque feita em homenagem à estilista Zuzu Angel, que morreu num mal explicado acidente de carro depois de ela ter enfrentado com unhas, dentes e desfiles de moda de protesto o regime militar, almejando saber a todo custo alguma informação sobre o paradeiro de seu filho, o ativista político Stuart Angel Jones, torturado e assassinado à época dos “anos de chumbo” brasileiros. A música se tornou símbolo da luta das mães que nunca souberam o que realmente aconteceu com seus filhos nem puderam enterrá-los dignamente. É o símbolo também de uma época de muito sofrimento cuja memória Hildegard, filha de Zuzu e irmã de Stuart, faz questão de manter viva para que essa história não volte a se repetir.

Ela, que começou a sua carreira como atriz nos anos 1970, posteriormente se tornou jornalista e conquistou o posto de uma das maiores colunistas sociais do país. Hoje ela se dedica a um blog, cujos temas predominantes são moda e comportamento, e pretende inaugurar em breve um museu com vários documentos de sua família, guardados ao longo de anos.

Também fundadora do Instituto Zuzu Angel, Hildegard nunca foi militante como seu irmão. “As pessoas tiravam casquinha do heroísmo alheio. Eu sempre tive pudor disso”, explica quando questionada se nunca pensou em juntar-se ao movimento de oposição ao governo. “O que eu sempre fiz foi honrar a memória dos meus”, complementa, emocionando-se ao relembrar a história de combate de sua família.

Hilde, como é chamada pelos mais próximos, tira de sua trajetória posicionamentos precisos sobre a Lei da anistia, a Comissão da Verdade, o papel das novas gerações na política e a imprensa brasileira, fazendo jus à frase com que se descreve em seu Twitter: “Vocês me conhecem. Sou aquela que pode não ter a melhor opinião, pode não ter a sua opinião, mas tem opinião!”. A partir de suas falas, que desvelam alguns episódios importantes desse período ainda nebuloso da história do nosso país, é possível conhecer um pouco mais quem é essa mulher chamada Hildegard Angel.

Antes de se dedicar ao jornalismo, a senhora teve uma carreira como atriz. Numa outra entrevista, a senhora declarou que queria ser a Joana D’Arc dos palcos, enquanto que o seu irmão queria ser a Joana D’Arc da vida real. Como foi esse seu início profissional? Ser a Joana D’Arc dos palcos também implicava alguns riscos, alguma exposição?

E ele foi, né? Ele foi a Joana D’Arc da vida real (risos).

Mas acabou que nos anos 1970, com o teatro engajado, houve uma exposição, sim. Eu, por exemplo, fiz algum teatro engajado, com o Grupo Oficina. O último espetáculo deles, em 1973, chamado Gracias, Señor, dirigido pelo Zé Celso Marinez Corrêa, foi uma peça engajada importante da qual eu participei. Ela era assistida toda noite pelo DOPS. Era um espetáculo longo, muito improvisado também. Havia riscos naquela época, que era época da censura, né? Houve também um risco também para as pessoas de teatro que tinham uma militância. Eu não fui uma militante, né? Eu fiz a militância por acaso em alguns espetáculos como esse.

A senhora nunca pensou em se juntar ao movimento de oposição ao governo?

Eu não tinha a estrutura ideológica do meu irmão. Eu sempre respeitei muito o embasamento ideológico e intelectual do meu irmão. Seria muito fácil para mim e até muito honroso pegar, empunhar e desfraldar a bandeira da esquerda brasileira. E seria também muito proveitoso para mim naquela época se eu tivesse tomado essa iniciativa. Mas eu sempre encarei de uma maneira muito séria e com muita responsabilidade e respeito a luta do meu irmão. Eu ficava muito envergonhada de ver pessoas vestirem de uma maneira até festiva o uniforme, a roupa, as vestimentas da militância sem terem conteúdo ideológico, apenas pelas vantagens que poderiam advir dessa proximidade com os nossos heróis. As pessoas tiravam casquinha do heroísmo alheio. Eu sempre tive pudor disso. Eu sempre respeitei muito a luta legítima de quem fez por onde. Eu sempre considerei um atrevimento ver jornalistas, artistas, pessoas de comunicação sem conteúdo ideológico, mas com bom jogo de cintura, se aproveitarem do sangue, da luta, da ideologia, do conteúdo, da ingenuidade, da boa fé dos nossos jovens para tirar partido disso, para construir suas carreiras na base do oportunismo. Eu sempre tive esse pudor. Nunca quis.

O que eu sempre fiz foi honrar a memória dos meus. Foi, em todos os momentos da minha vida, jamais negar-lhes todas as homenagens, desde o primeiro momento. Meu irmão e minha mãe são e foram as personalidades daquele momento político brasileiro mais homenageadas até hoje. Até durante a ditadura foram inauguradas ruas, praças escolas, exposições com os nomes deles. As pessoas ficavam até boquiabertas de isso acontecer porque ninguém tinha peito de fazer isso. E com meu olhar até singelo, meu jeito ingênuo – podem considerar até sonso –, eu fazia isso. Talvez as pessoas achassem que eu fosse amorfa porque eu não oferecia perigo. E eu fazia isso. Eu mantive a memória dos meus viva, respeitada, homenageada, e essa foi a minha maneira de prestar a minha homenagem, de fazer o meu bom combate e de manter essa luta e essa memória vivas para que esses fatos não se repetissem.

E a senhora fundou também o Instituto Zuzu Angel, uma forma de preservar a história da sua mãe...

Foi a primeira ONG de moda no país, ou seja, uma sociedade civil sem fins lucrativos, lembrando a memória de Zuzu, lembrando a sua luta e a luta do Stuart. Eu lembro que naqueles anos em que todos rasgavam documentos, jogavam fora qualquer coisa que os comprometesse, eu guardei tudo, tudo o que se possa imaginar: na minha casa, nas minhas costas, nas minhas malas, nos meus baús, nas minhas gavetas. Nunca tive medo. E hoje nós temos um conteúdo sensacional de documentos. Hoje nós estamos tentando levantar um museu aqui no Rio de Janeiro com a Secretaria de Estado. Se Deus quiser nós conseguiremos. Porque, você sabe, essas coisas de governo a gente nunca sabe, né? Várias promessas, vários governos sucessivamente... Nunca sabemos se será levado adiante. Uma hora dizem uma coisa, noutra hora outra. Eu quero ver pronto! Já estou cansada de promessas!

Mas eu tive a coragem de manter esse acervo sob as minhas asas numa época em que as pessoas tinham medo. Eu nunca me vangloriei da luta do meu irmão, da minha mãe e da minha cunhada porque é essa luta pertenceu a eles.

Que imagem a senhora acredita que o Brasil tenha da luta deles?

Acho que o Brasil tem a imagem de que os nossos jovens lutaram e de que os nossos políticos da época se omitiram. Os políticos da época, que podiam estar lá fora falando sobre isso, se omitiram.

Não me esqueço quando minha mãe, que era uma juscelinista de boa cepa, convicta, encontrou-se com o Juscelino numa festa onde estava toda a high society do Rio de Janeiro e lhe disse: “Você poderia ter denunciado as mortes, mas você se calou. Você teria recursos para falar na imprensa internacional das torturas. Eu não lhe perdoo, Juscelino Kubitschek!” E enfiou o dedo no nariz dele. Na ocasião, disseram: “Zuzu, você está louca! Fica calma!”.

Ela estava dizendo a verdade. No ano de 1976, foi aquela lavada geral, aquela limpeza diária: mataram a Zuzu, mataram o Juscelino, mataram o Carlos Lacerda, mataram o Jango. Porque ninguém me tira da cabeça que as mortes de Getúlio, Jango e Juscelino também fizeram parte dessa ação articulada. No Brasil, iniciava-se o processo de abertura e eles teriam que limpar a área para que tudo começasse zero-quilômetro, para que não ficasse resíduo, qualquer voz que pudesse se levantar para incomodá-los.

Mas, quando foi dada a voz às famílias desses antigos políticos para falar a respeito na época da Comissão dos Desaparecidos, elas não quiseram investigar. Elas negaram que os seus familiares tivessem sido mortos, talvez por receio, porque não acreditassem ou porque não tivessem a ideia de que elas estavam roubando a memória de seus familiares quando lhes sonegavam o direito do reconhecimento de um assassinato político.

A senhora apoiou a Dilma nas eleições presidenciais de 2010. Agora, no seu governo, finalmente foi instalada a Comissão da Verdade. O que a senhora espera dessa Comissão?

O assassinato da Zuzu foi reconhecido vinte e dois anos depois. Não foi no governo da Dilma, eu tenho que reconhecer. Foi no governo Fernando Henrique, quando o seu ministro, José Gregory, criou a Comissão dos Desparecidos Políticos. Foi feito um processo bem longo, em que houve recurso. O assassinato da mamãe foi reconhecido em segunda instância porque surgiram testemunhas oculares. Então não foi a presidenta Dilma. Mas eu acho que tudo anda muito vagarosamente.

Eu acho que a anistia foi a anistia que foi possível na época. Eu apoiei e o Brasil inteiro apoiou a anistia porque foi a anistia possível. Eu apoiei aquela abertura porque foi a abertura possível; aquele momento porque foi o momento possível, porque foi o momento em que não houve confronto, não houve novas vítimas, não houve sangue, não houve dor. Eu apoiei, sim, aquele momento porque foi um momento sem mortes. É muito importante que o Brasil lembre que nós tivemos uma passagem para a democracia sem mortes. Para quem já sofreu tantas mortes, como eu já havia sofrido, não queria mais em nome da política que houvesse mortes. Os nossos jovens, que já estavam velhos, retornaram ao Brasil, de todos os países, sequiosos para isso, sedentos para isso. E nós aqui esperançosos para isso. Então eu achava importante que a nossa passagem tivesse sido sem mortes.

E a senhora espera que seja feita a justiça com a Comissão da Verdade?

Eu espero que seja feita, mas eu acho tudo muito lento e eu fico muito cansada. Eu espero que sim. Sou esperançosa, vejo boas intenções, mas eu estou cansada. Você veja, esse livro (Memórias de uma guerra suja) em que é apontado o possível assassino da minha mãe... Por que eles não elucidam logo esse assassinato, quem foi o assassino? Que ela foi assassinada todos já sabemos. Por que eles não identificam logo, não abrem logo esse processo? Você vê que as famílias têm que ficar o tempo todo sofrendo esse martírio. Eu fico cansada.

Como a senhora acha que as novas gerações lidam com a política?

Se não forem as novas gerações, o que será de nós? As velhas gerações estão muito mais preocupadas com elas mesmas do que com o nosso passado. Graças a Deus temos as novas gerações.

A senhora acredita que o Brasil lide bem com o seu passado?

Eu acho que o Brasil lida bem com o passado na medida em que as novas gerações estão preocupadas com esse passado. Com a idade, as pessoas vão se acomodando, as pessoas vão perdendo seus postos de poder, a sua voz, a sua influência. E as pessoas também vão se revelando, né?

Pessoas que antes pareciam engajadas, preocupadas em esclarecer fatos, hoje se situam praticamente à direita e estão mais preocupadas em satisfazer seus patrões da mídia de direita do que esclarecer pontos importantes do nosso passado de esquerda.

Os filmes que falam sobre essa época da ditadura, como o filme do Sérgio Rezende que foi feito sobre a sua mãe, podem ajudar a resgatar esse passado?

A cultura está fazendo essa revolução. A cultura está fazendo essa denúncia. A cultura está prestando um grande serviço a essa luta brasileira, a esse resgate. Acho que há movimentos importantes também. O “Tortura Nunca Mais” de hoje é um movimento muito importante.

Hoje se discute e se faz com bastante frequência política na internet, em blogs e em redes sociais. O que a senhora pensa a esse respeito?

Redes sociais são importantes, mas eu vejo que há uma certa casta superior do jornalismo que se identifica como jornalismo de primeira linha, de primeiro grupo. É um jornalismo totalmente comprometido com seus patrões, que não está muito preocupado com nada, não...

A senhora acha que nós vivemos numa liberdade de expressão plena hoje?

Vivemos numa liberdade de imprensa muito relativa, mas não devido ao governo, e sim devido aos interesses capitalistas dos empresários da opinião deste país, que estão restritos a uma única opinião, refletindo os interesses de um pequeno grupo de empresários poderosos...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Discurso e memória: a importância de dizer e dizer e dizer

Lógica de conciliação pós-ditadura compromete realização da democracia

Em simpósio internacional realizado na USP, estudiosos do regime autoritário criticam a imposição da idéia de conciliação com os militares e alertam para os riscos de morte lenta da democracia neste contexto. Para eles, os limites colocados pela não responsabilização dos torturadores e o legado estrutural da ditadura ferem o Estado de Direito.

São Paulo - Para alguns autores, se a própria democracia é incerta quanto aos resultados do jogo político, os períodos de transição são ainda mais ameaçadores em termos do controle dos resultados. Dentro desta lógica, muitos responsáveis por transições de Estados pós-regimes autoritários em todo o mundo optaram pela reconciliação. Adotaram assim um paradigma de análise centrado no que as elites políticas eram capazes de pactuar nesses momentos com a elite moderada das oposições. A idéia era a que, com esses atores negociando, seria possível devolver o poder a um conjunto de regras claras, que definiram a democracia a ser retomada.

O que tais pensadores não previram - ou negligenciaram - foi que a conciliação poderia impactar de tal forma o processo de transição a ponto de provocar uma morte lenta da própria democracia. Na última semana, em simpósio internacional realizado na Universidade de São Paulo, estudiosos da ditadura militar brasileira e defensores de direitos humanos alertaram para os limites colocados pela conciliação no país, que ferem o Estado Democrático de Direito.

"A compreensão era a de que não bastava retirar os autores políticos autoritários para redemocratizar estrutura do Estado e da sociedade civil. Uma ameaça de regressão autoritária estaria no horizonte, com o risco efetivo de os militares darem um novo golpe, e daí a preocupação com um pacto político", explicou Renan Quinalha, pesquisador da Faculda de Direito da USP, membro do grupo que organiza uma campanha pela criação de uma Comissão da Verdade na USP.

"Para que não houvesse risco de uma morte rápida da democracia, certos interesses do antigo bloco no poder não poderiam ser tocados. As demandas por Justiça dos familiares eram consideradas desestabilizadoras e indesejáveis - não à toa foram silenciadas por muito tempo. Mas não atentaram para a dimensão lenta da morte da democracia, comprometida na sua realização efetiva", acrescentou.

Na avaliação de Quinalha, uma parte a esquerda brasileira em grande parte pactuou com essa interdição do passado. Para muitos, discutir memória, verdade e justiça não era possível. Seria necessário estabilizar a nova ordem democrática, numa preferência clara de secundarizar a demanda por justiça e analisar a transição numa ótica utilitarista. "Não interessava uma discussão por uma transição justa, com uma dimensão ética da nova democracia. Interessava somente estabelecer novas regras do jogo", afirmou.

Na transição conservadora, o acordo entre militares, Tancredo Neves e outros líderes devolveu o poder aos civis, mas garantiu a impunidade dos agentes de Estado responsáveis por graves violações de direitos humanos. O suposto pacto foi então cristalizado na Lei de Anistia de 1979 através do dispositivo dos “crimes conexos aos crimes políticos”.

Para o jornalista Pedro Estevam da Rocha Pomar, membro do Comitê Paulista pela a Memória, a Verdade e a Justiça, e autor do livro "Massacre na Lapa", que conta como o Exército liquidou o Comitê Central do PCdoB em 1976, a Lei de Anistia tem sido, até agora, a fonte inesgotável da suposta legitimidade e da condição de intocáveis dos militares, tudo sob o discurso da conciliação nacional.

"Com o apoio indispensável das oligarquias, as Forças Armadas brasileiras conseguiram interditar por longos anos o debate legal e institucional sobre memória, verdade e justiça", disse. "E mantiveram e ainda mantêm sob controle direto alguns segmentos do Estado: a Justiça Militar como ramo específico do Poder Judiciário, o controle do tráfego da aviação civil, as Capitanias de Portos", destacou.

Pomar lembra que familiares, ex-presos políticos e grupos de direitos humanos mantiveram acesa a chama da luta por reparações simbólicas e pela punição dos responsáveis pelas atrocidades e por toda sorte de violações de direitos humanos na Ditadura Militar. Mas, ao exigir a punição dos criminosos, sempre esbarraram nesta muralha, reiterada pela decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar anistiados os torturadores que agiram a serviço da ditadura, o que "reiterou a cumplicidade de expressiva parcela oligárquica, representada no Poder Judiciário, com aqueles que praticaram o terrorismo de Estado".

Justiça de transição
A partir dos anos 90, a partir de reflexões teóricas e documentos da ONU, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e da Comissão Internamericana de Direitos Humanos da OEA, emerge o conceito de justiça de transição. A partir de casos levados a estes órgãos, os mesmos passaram a reconhecer os direitos das vítimas a terem uma reparação econômica simbólica e a acessarem o direito à verdade, a medidas de memória – com homenagens aos que resistiram aos regimes autoritários e desqualificação daqueles que se valeram da estrutura do Estado para implantar a repressão -, e à justiça, com a identificação e processamento penal dos violadores. A justiça de transição passa ainda pela reforma das instituições, considerando que o terrorismo de Estado atravessou várias delas.

"Assim é necessário haver depuração e uma nova cultura política na sociedade para internalizar valores democráticos. O conceito, então, é retrospectivo - olha para o passado para trazer à tona essa história -, mas também prospectivo, porque isso diz respeito ao presente e ao futuro, para garantir que as violações não mais ocorram", relata Renan Quinalha. "É neste contexto que o tema da justiça de transição começa a ser apropriado no Brasil, sobretudo a partir de 2008, de maneira sistematizada e organizada no debate político e nas instituições acadêmicas", acrescenta.

Vem desta perspectiva de justiça a expectativa de punição dos torturadores da ditadura militar no Brasil, reavivada com a criação da Comissão Nacional da Verdade, que esta em seu quarto mês de funcionamento. O horizonte da reconciliação nacional, no entanto, permanece, visto que este é um dos objetivo da própria Comissão, previso em lei.

"Há um pacto em vigor entre governo e militares. Não é o velho pacto de 1984, porque os protagonistas mudaram e porque não há como evitar determinadas concessões aos familiares e aos ex-presos, mas sua essência não mudou: trata-se de garantir a impunidade de quem, em nome do Estado castrense, torturou, humilhou, trucidou e tirou a vida de centenas de “subversivos”", avalia Pedro Pomar.

Para o jornalista, a materialização da idéia de reconciliação nacional foi a cerimônia de posse dos integrantes da Comissão da Verdade, com a participação de dois ex-presidentesdos, Sarney e Collor, que tiveram participação direta na ditadura e foram seus beneficiários.

"A presidenta Dilma discursou, enfatizando que não se trata de revanchismo, nem de “reescrever a história de forma diferente do que aconteceu”. Afinal, devemos ou não reescrever a história?", questionou. "Que a burguesia reivindique a autoria e a legitimidade da ditadura militar, e que parte da oligarquia ainda hoje a defenda, não surpreende. Que a liderança de esquerda, tendo chegado ao poder político pela força de 50 milhões de votos, se submeta ao pacto forjado pela transição conservadora vinte anos antes, trinta anos antes, e o renove, isso sim ainda surpreende", criticou.

Para os presentes, um dos maiores riscos da renovação desse pacto é a perpetuação de situações de violação de direitos humanos que ocorrem no dia de hoje como reflexos institucionais desse período. Da criação das polícias militares à tortura que continua a ser praticada em delegacias, quartéis e presídios, passando pelas condições da população carcerária e pelas execuções sumárias quase sempre de pobres, negros e moradores das periferias, até a situação de populações inteiras colocadas sob ocupação militar.

"Encontramos neste ponto uma relação muito forte entre a atrofia da democracia atual e o terrorismo de Estado que vivemos no passado, por obra da ditadura militar instaurada em 1964", acredita Pomar. "Se agentes do próprio Estado torturam e matam, regularmente e impunemente, não se pode falar em “Estado de Direito”, mas em terrorismo de Estado, ainda que não seja o Estado central, a União, o protagonista de tais ações", conclui Pedro Pomar.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Pra pensar um pouco mais sobre "as verdades e as formas jurídicas", sobre a construcão discursiva do mundo

As “inovações” que geram polêmica no julgamento do “mensalão”

Em curso há 40 dias, o julgamento da ação penal 470, o “mensalão”, tem provocado polêmica, em função de novas práticas metodológicas adotadas pelo STF e, principalmente, da forma diferenciada com que os ministros têm reinterpretado doutrinas até então tidas como pacificadas. Do fatiamento dos votos ao alargamento da abrangência dos crimes de colarinho branco, as mudanças em curso são expressivas. Confira o resumo das principais delas.

Brasília - Em curso há 40 dias, o julgamento da ação penal 470, o “mensalão”, tem provocado polêmica, em função de novas práticas metodológicas adotadas pelo Supremo Tribunal de Justiça (STF) e, principalmente, da forma diferenciada com que os ministros têm reinterpretado doutrinas até então tidas como pacificadas. Do fatiamento dos votos ao alargamento da abrangência dos crimes de colarinho branco, as mudanças em curso são expressivas.

Confira aqui o resumo das principais delas:

O não desmembramento
Pela lei, tem direito à prerrogativa do foro privilegiado no STF apenas políticos em cumprimento do mandato. No caso dos réus do “mensalão”, eram três. Mas o MPF denunciou 38 na ação que chegou à Corte máxima. E a Corte entendeu por bem julgá-los todos em conjunto, sob os holofotes da mídia. Já no caso do “mensalão do PSDB”, o desmembramento foi aceito e cada qual responderá na instância que lhe compete: o ex-governador Eduardo Azeredo no STF e os demais nas instâncias inferiores.

Fatiamento
A divisão do julgamento em blocos, proposta pelo relator Joaquim Barbosa e aceita pela maioria dos demais ministros, pode ser entendida como um meio mais fácil de construir a condenação dos reús. Ela segue a lógica da acusação, mas em uma ordem própria. O relator começou pelo capítulo 3º da denúncia, pulou para o 5º, voltou ao 4º e, na sequência, promete julgar o 6º, o 7º e o 8º, para só depois retornar ao 2º, que trata do núcleo político. Assim, ele decide quem é julgado primeiro e vai tecendo o ambiente necessário, com uso de indícios, presunções e meios de prova produzidos na fase de inquérito, para condenar os réus contra os quais não há provas judicializadas (produzidas dentro da instrução criminal, sob a fiscalização de magistrado). Esse método de valoração da prova, dando maior relevo àquela não judicializada, de fato, é algo que pode ser considerado como diferente no processo penal. Os ministros têm justificado essa forma de valoração da prova em razão da natureza dos delitos.

Indício e presunção como meio de prova
Antes, indício era um meio de prova de valor menor. Agora, ao lado do uso das presunções, foi utilizado como meio de prova suficiente para a condenação penal. A defesa desta tese foi enfatizada pelo ex-ministro Cezar Peluso, no último voto que proferiu antes da sua aposentadoria. Para ele, não há hierarquia entre as chamadas provas diretas e o indício. “O sistema processual, não só o processual penal, assevera que a eficácia do indício é a mesma da prova direta ou histórico-representativa”, disse.

Individualização das condutas
Como os réus são julgados em blocos, há casos em que a individualização das condutas fica prejudicada. Os advogados reclamam, por exemplo, que Marcos Valério e seus sócios são sempre condenados em conjunto, sem a devida análise da participação individual de cada um nos crimes em pauta. Há receio de que o modelo possa se perpetuar em outros blocos.

Corrupção ativa
Antes, era preciso comprovar um “ato de ofício” para condenar alguém por corrupção ativa, como alegado no julgamento da ação penal 307, que inocentou Collor de Mello. Neste novo modelo inaugurado no “mensalão”, entende-se comprovado o “ato de ofício” por meio da valoração de indícios e presunções. Nas palavras da ministra Rosa Weber, “nos delitos de poder, quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito. Esquemas velados, distribuição de documentos, aliciamento de testemunhas. Disso decorre a maior elasticidade na admissão da prova de acusação”.

Corrupção passiva
A mudança diz respeito, segundo a defesa, principalmente, à destinação da vantagem recebida, antes tratada como pressuposto para configuração do crime. No “mensalão”, os ministros entenderam que não importa se os R$ 50 mil recebidos por João Paulo Cunha provinham de caixa dois do PT para pagar uma dívida de campanha ou se de suborno para favorecer as agências de Marcos Valério na licitação da Câmara. O fato dele tê-los recebido de uma agência de publicidade sem justificativa razoável, aliado ao contrato firmado pela agência poucos dias depois, foi suficiente para comprovar a corrupção passiva.

Peculato
No caso do crime de peculato, caiu a necessidade da comprovação de que os recursos desviados eram públicos: vários ministros destacaram que, mesmo que a integralidade dos recursos do Fundo Visanet fosse privada, o peculato estava configurado, porque eles foram desviados por um agente público no exercício da função pública: o ex-diretor de Marketing do BB, Henrique Pizzolato.

Lavagem de dinheiro
É a maior polêmica e continuará a ser discutida no próximo bloco, quando os ministros analisarão os saques feitos na boca do caixa. Pelo entendimento pacificado até antes do “mensalão”, a materialidade da lavagem de dinheiro pressupunha ao menos duas etapas: a prática de um crime antecedente e a conduta de ocultar ou dissimular o produto oriundo do ilícito penal anterior. A entrega dos recursos provenientes dos “empréstimos fictícios” do Banco Rural foi considerada lavagem, e não exaurimento do crime antecedente de gestão fraudulenta de instituição financeira.

Da mesma forma, e por apenas um voto de diferença, o saque do dinheiro na boca do caixa foi considerado lavagem, e não exaurimento do crime de corrupção. Para os advogados, esse novo entendimento superdimensionará o crime de lavagem, já que sempre que alguém cometer qualquer delito com resultados financeiros e os entregar a outro, incorrerá, automaticamente, nesta prática.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Liberdade de expressão: o que é, como se faz



Carta aberta: A tentativa de sufocar a blogosfera


 12 de setembro de 2012


A tentativa de sufocar a blogosfera

No mais recente atentado contra a liberdade de expressão no Brasil, o prefeito de Curitiba (PR) e candidato à reeleição Luciano Ducci processou o blogueiro Tarso Cabral Violin, apenas porque discordou de duas enquetes publicadas na página mantida pelo blogueiro. A Justiça Eleitoral, num gesto inexplicável, deu ganho de causa ao prefeito-censor e estipulou uma multa de R$ 106 mil, o que inviabiliza a continuidade do blog. No mesmo Paraná, o governador Beto Richa também persegue de forma implacável o blogueiro Esmael Morais, que já foi processado várias vezes e coleciona multas impagáveis.

Em outros cantos do país, a mesma tática, a da judicialização da censura, tem sido aplicada visando intimidar e inviabilizar financeiramente vários blogs. Alguns processos já são mais conhecidos, como os inúmeros que tentam calar os blogueiros Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif. No fim de 2010 e início de 2011, o diretor de jornalismo da poderosa TV Globo, Ali Kamel, também ingressou na Justiça contra seis blogueiros – o que prova a falsidade dos discursos dos grupos de mídia que se dizem defensores da liberdade expressão. Criticado pelos blogueiros, pelo seu papel manipulador nas eleições de 2006 e 2010, Kamel parece ter escolhido a via judicial para se vingar dos críticos.

Se os juízes de primeira instância parecem pressionados diante de autoridades e empresas de Comunicação tão poderosas, é preciso garantir que os tribunais superiores mantenham-se atentos para garantir que a liberdade de expressão não se transforme num direito disponível apenas para meia dúzia de famílias que controlam jornais, TVs e rádios brasileiras.

Além da judicialização da censura, também está em curso no país uma ação ainda mais violenta contra os blogueiros – com ameaças de morte e até atentados. Em 2011, o blogueiro Ednaldo Filgueira, do município de Serra do Mel, no Rio Grande do Norte, foi barbaramente assassinado após questionar a prestação de contas da prefeitura. Outro blogueiro também foi morto no Maranhão. Há várias denúncias de tentativas de intimidação com o uso da violência, principalmente em cidades do interior onde a blogosfera é o único contraponto aos poderosos de plantão.

Como se não bastassem os processos e as ameaças físicas, alguns setores retrógrados da sociedade também tentam impedir a viabilização financeira da blogosfera através de anúncios publicitários. Recentemente, o PSDB ingressou com ação na Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) questionando os poucos anúncios do governo federal em blogs e sítios de reconhecida visibilidade. A ação foi rejeitada, o que não significa que não cumpriu seu objetivo político de intimidar os anunciantes. Até o ministro Gilmar Mendes, do STF, tem atacado a publicidade nos blogs.

Diante desses atentados à liberdade de expressão, o Centro de Estudos Barão de Itararé manifesta a sua total solidariedade aos blogueiros perseguidos e censurados. É preciso denunciar amplamente os que tentam silenciar esta nova forma de comunicação. 

É urgente acionar os poderes públicos – governo federal, Congresso Nacional e o próprio Supremo Tribunal Federal – em defesa da blogosfera. É o que faremos, em parceria com as demais entidades da sociedade civil, em especial com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), requisitando audiências junto ao STF, STJ, TSE, Congresso Nacional e Ministério da Justiça.

Pedimos, ainda, a atenção da Secretaria Especial dos Direitos Humanos para o tema. Liberdade de expressão não é monopólio de meia dúzia de empresários. É um patrimônio do povo brasileiro, garantido na Constituição. A comunicação é um direito básico do ser humano, que precisa ser respeitado.

Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Da redação

domingo, 9 de setembro de 2012

Criar, inovar, inventar... questões sobre a origem das ideias

Apple x Samsung – ou até que ponto as patentes podem inibir a inovação

Por Bia Martins, do blog Autoria em Rede


Uma ideia pode ter dono? Mas se não tiver, como garantir a remuneração de quem dedica sua vida à pesquisa e à criação? Estas duas perguntas resumem o debate sobre a pertinência, ou não, da propriedade intelectual como balizador, ou limitador, da inovação.

A recente disputa entre a Apple, fabricante do iPad e do iPhone, e a Samsung, fabricante de tablets e smartphones, trouxe mais uma vez à baila essas questões. Como se sabe, a Apple ganhou o processo na justiça norte-americana, e a Samsung terá que pagar uma multa de US$ 1,049 bilhão por violação de patente.

Essa decisão é emblemática pois nos leva a indagar até que ponto é possível registrar a patente de uma ideia. No caso da Apple, os registros chegam a um nível de detalhe bastante questionável. Um deles, por exemplo, é relativo ao formato retangular com os cantos arredondados de seus aparelhos. Ou seja, para a empresa, ela seria proprietária desse design e nenhum outro fabricante poderia usá-lo sem sua autorização. No entanto, essa ideia não é um tanto óbvia e trivial?

Um protótipo de tablet no filme “2001 – Uma odisséia no espaço”


Em sua contestação na justiça dos EUA, a Samsung apresentou um trecho do filme “2001 – Uma odisséia no espaço”, dirigido por Stanley Kubrick em 1968, como prova da existência de um protótipo de tablet muito anterior ao iPad. É curioso, e bastante paradoxal, lembrar que o próprio Steve Jobs, fundador da Apple, copiou o modelo da interface gráfica, dos ícones e do mouse do computador pessoal inventado pela Xerox e usou no desenvolvimento do PC Macintosh, produzido pela sua empresa. Quer dizer, dependendo do interesse, as ideias podem ou não ser copiadas, o que é totalmente incoerente…

Cabe, portanto, perguntar: mas interesse de quem? Se formos pensar no interesse da sociedade e da evolução tecnológica, tendo em vista os consumidores, afinal, a decisão da justiça norte-americana é positiva ou negativa?

As opiniões aqui se dividem. Há os que acham que esta decisão vá inibir a inovação, e com isso prejudicar os consumidores que terão menos opções, provavelmente mais caras, já que todos os fabricantes teriam que desenvolver seus projetos a partir do zero, não podendo contar com o conhecimento já acumulado em outros projetos. Outros especialistas, ao contrário, acreditam que isso servirá de estímulo para que as empresas invistam na criação de mais e melhores aparelhos eletrônicos.

Fica uma questão de fundo, aquela que tenho tratado aqui no blog reiteradas vezes: o processo criativo é algo de natureza individual, com conotação privada e proprietária, ou o resultado de complexas relações produtivas que se dão em escala social? Na verdade, ninguém cria nada do zero, ao contrário, sempre irá se inspirar nas criações daqueles que o antecederam – seja nas artes, na ciência ou na tecnologia. Por outro lado, não é justo que patentes muito genéricas impeçam o desenvolvimento de produtos e acabem diminuindo a competição, em prejuízo dos consumidores.
Sendo assim, um dos maiores desafios da sociedade atual, em nível mundial, é definir parâmetros jurídicos mais equilibrados que garantam a remuneração justa para quem cria, sem comprometer a evolução da arte, do conhecimento e da tecnologia.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Circulação da informação: quem diz o que de que modo? Ou nem diz...

DEBATE ABERTO

Evitem a Espanha no dia 25 de setembro

A revolução espanhola já tem data e local para acontecer. Será no dia 25 de setembro, em frente ao Congresso. Alguém, por acaso, ouviu falar a esse respeito? Mesmo na Espanha, a mídia mais tradicional ignorou solenemente o movimento até dia 29, quando o governo espanhol fez uma declaração de guerra aos coordenadores do protesto.

A Espanha está prestes a fazer uma espécie de Revolução dos Cravos. Alguém ainda se lembra dessa revolução portuguesa, de 1974, que deu fim à sua ditadura? Pois é, um golpe democrático, com tanques nas ruas e militares armados, para ninguém botar defeito. Tudo bem que os fuzis estavam delicadamente decorados com cravos, em lugar de baionetas, e as armas serviam ao propósito de mostrar que os civis estariam protegidos. Mas não deixou de ser um golpe de Estado.

Seus vizinhos ibéricos estão armando algo parecido, mas sem tanques nem armas. A revolução espanhola já tem data e local para acontecer. Será no dia 25 de setembro, em frente ao Congresso. Alguém, por acaso, ouviu falar a esse respeito? Provavelmente, pouquíssima gente. Mesmo na Espanha, a mídia mais tradicional ignorou solenemente o movimento até ontem (29/08), quando a delegada do governo espanhol em Madri fez uma declaração de guerra aos coordenadores dessa marcha, que quer abraçar o Congresso e por lá permanecer por algum tempo.

Cristina Cifuentes, que fala em nome da lei e da ordem em Madri, membro do direitista Partido Popular (o mesmo do chefe de governo, Mariano Rajoy), disse, alto e bom som, que "grupos muito radicais, tanto de direita como de esquerda", estão tramando de fato "um golpe de Estado encoberto" por essa movimentação. Se há grupos de direita organizando a farra, realmente, foi no mínimo uma indelicadeza não terem convidado Cifuentes, Rajoy, José María Aznar e outros expoentes da direita espanhola.

O alerta lançado por aquele governo, a rigor, é um clássico erro de tática política. Ao centrar fogo contra a mobilização, o governo acaba de lhe prestar dois grandes favores. Ajudou imensamente a sua divulgação, que andava restrita às redes sociais, e inventou um desafio que deve ser aceito por muitos. Às avessas, Cifuentes simplesmente convocou os indignados.

Para arrematar, a delegada fez uma ameaça direta: o local será protegido pelos corpos e forças de segurança do Estado ante qualquer tipo de ataque, como, por exemplo... abraçar o Congresso. Afinal, se trata de “um lugar inviolável”, completou. Tem toda a razão. Imaginem vocês um Congresso sendo violado pelo povo! Nada como um partido que carrega honestamente o adjetivo "popular" para nos lembrar disso.

É bom que se evite a Espanha no dia 25 de setembro. Primeiro, porque há o sério risco de você ser barrado na porta de entrada, como tem acontecido com aquele povo invasor bárbaro, os brasileiros. Segundo, porque uma tempestade perfeita se formará nesse momento. Conforme os porta-vozes oficiais atestam, o protesto está eivado de radicalismo e subversão.

Não adianta negar. Está escrito, preto no branco, na página da coordenação do 25 de Setembro, que se quer “um novo modelo social, baseado na soberania popular participativa”, como forma de reverter a “injusta situação de perda de liberdades e direitos (saúde, educação, serviços sociais, emprego, moradia)”, e por aí vai. Se alguém duvida, confira a página subversiva em http://coordinadora25s.wordpress.com/ ou o perfil deles no Twitter: @Coordinadora25S

Os insaciáveis, em sua sede de poder, querem uma nova Constituição e uma reforma político-eleitoral. Ou seja, querem acabar com a política como ela é e ficam pedindo mais democracia. Conclusão da direita espanhola: só pode ser gente autoritária. Eis a subversão.

Não satisfeitos, os radicais se arvoram a reivindicar um programa econômico. Propõem auditoria da dívida, reforma fiscal para que os ricos paguem mais impostos, fim dos cortes de gastos sociais e investimentos para a geração de empregos. Eis o radicalismo.

Com o país em uma recessão que deve prolongar-se pelo ano de 2013, e que alguns avaliam como a pior dos últimos 40 anos; com o maior desemprego da Europa (um em cada quatro espanhóis está desempregado); com seus bancos com rombos gigantescos; diante de tudo isso, o que fez o governo? À beira de um ataque de nervos, achou por bem marcar a data do fim do mundo para antes do que previa o Calendário Maia.

Grande ideia.