domingo, 25 de agosto de 2013

A comunicação e o mercado de informação

A geração bit se assenhora da comunicação, mas a revolta está no ar

 
GGN logoA Geração Bit

A velha mídia está derretendo sob o sol a pino de novas formas de consumo da informação. Os abalos sofridos por ícones tradicionais do jornalismo se sucedem. O que sobrará dos velhos modelos?

Uma guerra de titãs se processa no campo da comunicação e da tecnologia da informação, envolvendo pelo menos três atores essenciais: os grandes grupos financeiros (bancos e seus financistas), as grandes corporações do mundo da informação e da comunicação e os governos.

Quem agora puxa o ritmo das transformações na comunicação são o que chamo de barões digitais, ou Geração Bit (de Bill Gates, da Microsoft; do finado Steve Jobs, da Apple; Mark Zuckerberg, do Facebook; Sergey Brin e Larry Page, do Google, Jeff Bezos, da Amazon, e tantos outros que não param de surgir), todos de trajetória meteórica.

Por enquanto, eles agem em conluio com os velhos gigantes das telecomunicações. O problema é que o principal negócio das telecons está se transformando. Dentro em breve, será quase exclusivamente o de entregar os produtos empacotados pelos barões digitais, pura e simplesmente. A sorte das telecons está, literalmente, por um fio. Se houver inovações que tornem a interligação física dispensável ou menos rentável do que o necessário para cobrir os custos de sua infraestrutura, as telefônicas passarão a ser a bola da vez do canibalismo dos barões digitais.

Mais cedo ou mais tarde, os velhos capitães das telecons terão que encarar diretamente os criadores da atual fase da era digital. Ambos os lados irão reinstalar o teatro que, há um século, se dava em torno de ferrovias, petróleo, energia elétrica e siderurgia. Na segunda metade do século XIX, esses barões ladrões se abraçavam e se apunhalavam o tempo todo. Algo similar deve ocorrer na era digital entre o baronato sem fio e o com fio, em duelos em que as armas serão telefones (fixos e móveis), computadores portáteis e televisores. Nenhum deles deve desaparecer. A grande incógnita não é quem irá vencer, mas sim como e quando os barões digitais da Geração Bit irão enterrar os telecons, e se alguém dentre as telefônicas irá mudar de lado a tempo para evitar ficar pequeno, como aconteceu com a IBM, a Xerox e a Kodak.

O entrechoque vai ditar os novos rumos da comunicação global. Aqueles que prevalecerem desse confronto irão transformar definitivamente o mundo das comunicações.

Os Cavalos de Troia
Os governos aparecem como peças chave dessa equação. Eles são propulsores das estratégias comerciais e industriais dos grupos econômicos que estão à frente das inovações que reinventam o mundo em que vivemos. Patrocinam as estratégias desses grupos, compram seus produtos e os alimentam de informação vendida como notícia.

O complexo militar é normalmente responsável por investir recursos maciços em tecnologias inovadoras que, posteriormente, ganham versões de mercado. Hoje se sabe o quanto tais tecnologias continuam sendo capturadas por objetivos militares e de influência geopolítica.

Celulares, tablets, notebooks e televisores, vendidos em lojas de varejo e dados aos montes em época de Natal, aniversário e Dia dos Namorados, são presentes de grego que trazem em suas barrigas soldados digitais (como era Edward Snowden), recrutados para abrir os portões das atividades, das preferências e dos pensamentos de cidadãos, empresas e governos, onde quer que estejam.

A comunidade de informação dos EUA continua se banqueteando de todos nós, a cada clique, como vermes escondidos. Graças a Snowden, descobrimos que o grande problema da internet não são os piratas, são os corsários, ladrões de informações preciosas a serviço dos governos. Ao invés de empunharem a bandeira de ossos cruzados, vestem uniformes e hasteiam as bandeiras de seus países.

Em meio a tudo, o outrora grande negócio do jornalismo tornou-se apenas um detalhe. Neste instante, completa-se uma longa trajetória que começou, no século XIX, com o jornalismo, enquanto profissão - “profissão liberal”, como se dizia no passado daqueles que trabalhavam por conta própria e recebiam o quanto lhes era pago diretamente por seus clientes. No século XX, o jornalismo abriu um grande mercado – o da comunicação de massa. Suas corporações carregavam o portentoso título de “a grande mídia”. Eram titãs nos velhos tempos. Alguns ainda são. Em pouco tempo dirão, como a personagem do filme “Crepúsculo dos deuses”: “eu sou grande! O mundo é que ficou pequeno”.

A trajetória hoje se completa com o jornalismo e a informação sendo transformados simplesmente em um produto. Um produto cada vez menor, rasteiro e descartável. Em uma visão dialética, se percebe que esse já era o destino para o qual os grandes veículos estavam transformando o caráter da notícia. Hoje, provam sua amarga colheita e se sentem envenenados.

Entre tantos sinais do derretimento colossal, o mais recente e apoteótico foi a compra do Washington Post pelo fundador e chefão da Amazon.com, Jeff Bezos. O Post custou o preço de um quadro de Paul Cézanne.

Pior destino tiveram muitos outros jornais. Eles se dividem entre os que desapareceram, os que permanecem em estado vegetativo e os que entraram em autofagia. A maioria resiste fazendo dos jornalistas suas principais vítimas, com demissões em massa e enxugamento das redações e editorias.
O titã tornou-se, ao fim, um Titanic. Foi essa a metáfora mais emblemática da venda do Washington Post a Bezos. O jornal encontrou seu iceberg, e é sobre ele que o negócio do jornalismo, prostrado, lança suas esperanças de abrigar-se. É sobre sua plataforma gigantesca e reluzente que se busca refúgio e alívio contra um destino pior: afundar.

O mesmo Bezos já havia vaticinado: "A internet está transformando quase todos os elementos do negócio das notícias: reduziu os ciclos noticiosos, erodiu as fontes confiáveis de receita e abriu espaço a novas formas de competição, entre as quais as que têm pouco ou nenhum custo para a produção de notícias". (“Jeff Bezos, el multimillonario que compró el alicaído Washington Post”, BBC, 6/8/2013).

A notícia como mercadoria
O grande negócio do jornalismo, ao transformar a notícia em mercadoria, hipotecou sua independência. O “jornalismo independente” significava, no princípio, que o jornalismo era um negócio próprio, autônomo. Sua principal fonte de receita era a venda em bancas e as assinaturas. É esse modelo que está em crise.

Cada vez mais, os velhos jornalões estão sendo comprados ou por grandes financistas (como John W. Henry e Warren Buffett) ou por grupos de telecomunicações e novas mídias digitais (como Carlos Slim e, agora, Bezos). Bezos é o primeiro da Geração Bit a entrar pela porta da frente do mundo jornalístico. Antes dele, e pela porta dos fundos, o Google ameaçou fazer um estrago no jornalismo tradicional similar ao provocado pelo Youtube na indústria do entretenimento. Rodando resumos de notícias extraídas diretamente dos jornais, em tempo real, em seu motor de busca, ele provocou uma diminuição na propensão dos leitores de gastarem um clique a mais para visitar as páginas dos jornais, definhando a estatística que alimenta sua publicidade.

O jornalismo de grande escala é cada vez menos um negócio em si e cada vez mais uma parte de outros negócios. É um item a mais na grande lista de produtos das grandes corporações digitais de entretenimento.

Porém, a dialética da nova comunicação digital, se em escala global levou à sua transformação completa em mercadoria, em escala local produziu uma nova versão do jornalismo enquanto atividade militante, dedicada ao desmascaramento das relações ocultas entre o público e o privado. Também tem se revelado fundamental à proclamação da identidade de novos atores, com novas agendas na relação entre Estado e sociedade.

De fato, esse jornalismo militante estava presente na origem do jornalismo contemporâneo. Desde os tempos longínquos de Marat (1743-1793) e seu jornal “O Amigo do Povo”, fagulha essencial para a Revolução Francesa. Também no jornalismo operário do século XIX e na imprensa revolucionária dos partidos proscritos pelos governos aristocráticos da velha Europa. Estava igualmente visível na primeira imprensa dos Estados Unidos, que Alexis de Tocqueville (1805-1859) registrou como uma das bases essenciais “Da Democracia na América” (título de seu livro de 1835). Naquela república que, segundo ele, trazia um padrão de governança que se espalharia por todo o mundo, havia um cidadão com uma característica peculiar: o gosto por ler jornais.

Não à toa, ali se conformaria uma ética e uma estética do jornalismo que se tornariam um padrão internacional, pelas mãos do célebre Joseph Pulitzer (1847–1911). Pulitzer, celebrizado pelo prêmio que funciona como um Nobel para os profissionais da área, reproduziu seu modelo de “independência”, zelo pela precisão das informações e rigor na apuração. Consolidou também a preferêcia por jornais de títulos grandes e chamativos, imagens fartas, frases curtas, objetivas, diretas.
É importante lembrar o contexto de Pulitzer, de combate intenso do jornalismo contra os barões ladrões e crítica à política corrupta, capturada pelo interesse dos cartéis. Pulitzer fez parte de um processo importante de formação da consciência nacional que contribuiu para a luta contra a cartelização econômica, o que forçou os partidos Republicano e Democrata a um realinhamento de suas plataformas e de suas relações com a sociedade.

Nos tempos de Pulitzer, o leitor era a fonte essencial da sustentação dos veículos. Para vender, os jornais, em alguma medida precisavam expressar o ímpeto por mudanças. Paulatinamente, esse modelo foi superado. O jornalismo baseado no interesse do leitor foi transformado em jornalismo comercial, no qual a publicidade passou a ocupar um espaço fundamental. Ele já não podia, francamente, se reivindicar independente. Ele não podia revelar suas relações íntimas com os grandes grupos econômicos e seus governos liberais. Como alternativa, sua pregação iconoclasta, sua simulação de independência e sua indignação se voltariam contra movimentos sociais, permanentemente estigmatizados, e contra governos progressistas, quase sempre nivelados por baixo e carimbados de corruptos.

A situação chegou ao paroxismo no Brasil, onde, como lembra o professor Mário Schapiro, a corrupção e as práticas ilícitas “parecem corresponder a um mercado de ficção: o mercado em que só há a demanda, mas não há a oferta" (SCHAPIRO, Cartel no Metrô e as Respostas do Direito. Blog do Estadão, 2/8/2013). Há corruptos por todo o Estado, mas o mercado de corruptores é apenas negócio.
O novo mundo da comunicação se encaminha para o que Manuel Castells (Communication, Power and Counter-power in the Network Society. International Journal of Communication, vol. 1, 2007, págs. 238-266) denominou “autocomunicação de massa”. Uma comunicação que não é mais absolutamente unívoca e depois massificada, e sim proveniente de uma profusão de atores e autores. Por meio da troca multimodal, algumas mensagens geradas por muitos e endereçadas a muitos ganham uma notoriedade viral.

Essa comunicação, dificílima de ser engarrafada pelos meios de comunicação tradicionais, é revolucionária por criar e recriar, o tempo todo, novos padrões comunicativos e narrativas inovadoras. Ao mesmo tempo, é uma comunicação descartável, que se desmancha no ar. Tende a gerar um Walter Cronkite por dia (Cronkite, 1916-2009, foi o respeitado âncora da CBS entre os anos 1960 e 1980, e é o exemplo paradigmático do “formador de opinião”), descartando-o no dia seguinte. É essa lógica do efêmero, movida pelo “on-line” e pela inovação de formatos e narrativas, que torna constante o descarte de profissionais, a repaginação dos lay-outs e a migração para novas plataformas eletrônicas. Estamos diante de um processo acelerado de destruição da atividade jornalística tradicional. O jornalismo não está morrendo. Está se reinventando. O que está morrendo é uma forma específica e datada de jornalismo.

A revolta da comunicação das ruas
Frente a um novo contexto e muitas dificuldades, a velha mídia do Brasil pisou distraída nas jornadas de junho - como foram apelidadas as manifestações ocorridas neste ano. Diante de novos padrões comunicativos e narrativas inovadoras, produzidas por atores multifacetados, os veículos de maior audiência resolveram brincar com fogo.      

Os maiores veículos não estavam seriamente interessados em saber o que estava acontecendo, e sim em direcionar o alvo do desgaste. Os especialistas de plantão eram os de sempre, inaptos a dar opiniões que realmente fizessem algum sentido em relação às pautas das manifestações.

Em pouco tempo, uma imprensa desacostumada a uma pluralidade de atores, sobre os quais praticou a delicada censura do silêncio, tornou-se ela própria um alvo evidente dos protestos. As grandes multidões eram compostas de inúmeras e diversas “multidinhas”. Em comum elas tinham, no mínimo, uma desconfiança em relação à velha mídia, mas alguns grupos demonstraram uma franca aversão e até ódio aos veículos mais tradicionais.

A tentativa da velha mídia de dublar as opiniões das multidões, com uma tradução enviesada por seus próprios interesses, gerou revolta e foi rechaçada de forma agressiva pelos manifestantes, que hostilizaram e expulsaram todos os jornalistas que se apresentaram na multidão com o símbolo dos grandes grupos de comunicação. Mesmo alguns de nossos melhores jornalistas, críticos e acostumados a mostrar o outro lado, foram nivelados por baixo. Algo que não se justifica, mas se explica.

De positivo, houve a eclosão de uma infinidade de comunicadores populares, com uma ideia na cabeça e um smartphone ou uma pequena câmera na mão. No Brasil, um desses grupos ganhou identidade em torno da Mídia Ninja. Mas há uma centena de pessoas e de grupos populares de comunicação espalhados pelo Brasil, surgidos em torno da vontade de mostrar o que ninguém vê. Se somarmos a isso a comunicação popular comunitária, a conta passa dos milhares. A única diferença para os Ninjas é que eles não surgiram das manifestações de ontem, e sim há um bom tempo, e ainda não escreveram seu manifesto.

Ao pôr em ação um novo padrão comunicativo, colocam em xeque o padrão tradicional de comunicação jornalística, publicitária, de eventos (como a Copa), e mesmo da comunicação digital. O jornalismo impresso era responsável por apresentar, diariamente, “uma condensação totalizante de determinada visão de mundo”, como lembra Maringoni (Jornal, o fim de uma concepção).

A comunicação alternativa e popular ganha sentido com uma visão horizontal, crítica da sobredeterminação do mercado sobre as políticas públicas do Estado. Longe do mito da isenção e da imparcialidade, sua objetividade é garantida justamente pela possibilidade de estar próximo à ação popular ou de ser parte dessa própria ação.

Também essa visão engajada estava presente na origem do jornalismo. No entanto, o novo padrão comunicativo não é mais o velho engajamento dos publicistas, como o de Émile Zola (1840 - 1902) em seu “J’accuse”, ou o jornalismo de Samuel Weiner (1912-1980), que tomava partido pró-Getúlio Vargas (1930-1945). O velho publicismo e o jornalismo partidário faziam um apelo à consciência nacional. A comunicação popular e alternativa, de forma diversa, é parte do próprio alinhamento de setores da sociedade que ganham expressão comunicativa. Em meio a uma feroz disputa política, os velhos publicistas eram heróis da consciência nacional adormecida. Hoje, os que fazem a comunicação de movimentos sociais e de atos de revolta buscam sobretudo registrar e potencializar, e não orientar tais iniciativas.

O engajamento hoje se dá na relação com movimentos populares, dos quais sua comunicação brota e depende. Se (ou quando) tais movimentos se recolhem, essa comunicação tende ou a murchar ou a ganhar maturidade e permanência, como foi no caso da experiência da TV dos Trabalhadores. Quando não, hibernam junto com um outono das mobilizações, até que ressurjam com força, ou ganham nova forma e novo sentido.

O jornalismo mambembe diante dos governos que se comportam como empresas
Infelizmente, as formas de comunicação plurais, de pequena escala, que interessam ao cidadão que vê o mundo de sua janela, estão fora do radar da comunicação governamental. Os governos, que deveriam ser os principais interessados em comunicar para a cidadania, agem no mercado publicitário sem qualquer diferença em relação ao que fazem as fábricas de cerveja, as lojas de varejo e as montadoras de automóvel.

Há preocupações extremadas com a possibilidade, por exemplo, de financiar mídias que cobrem protestos - possivelmente, mais pelo fato de que as manifestações criticam todos os governos, como é próprio da luta pela cidadania. A luta por direitos sempre foi antecipada por revoltas, algumas violentas. Do ludismo dos ingleses e das sabotagens dos franceses, que jogavam seus “sabots” (tamancos) dentro das máquinas, contra a Revolução Industrial; dos protestos violentos de 1º. de maio de 1886 pela redução da jornada de trabalho; das passeatas pelo voto das mulheres (as sufragistas); das greves operárias de 1978 e 1980 que confrontaram a ditadura no Brasil; dos Occupy, nos EUA; dos indignados, na Espanha, aos revoltosos da Primavera Árabe.

Os movimentos que historicamente se tornaram vitoriosos foram aqueles que transformaram a revolta e a destruição em politização das pautas e em partidarização de bandeiras que foram sendo progressivamente institucionalizadas, ou seja, se tornaram regras. Uma dessas bandeiras ainda à espera de quem as empunhe com mais firmeza é a da democratização da comunicação.

Dizem que não se pode financiar mídias que, entre outras coisas, podem verbalizar protestos, mas não se tem pudor algum em anunciar em programas cujos apresentadores defendem que bandido bom é bandido morto, ou programas humorísticos em que as principais piadas são contra negros, mulheres, nordestinos e homossexuais. Se os índices de audiência justificam o gasto, não importa o gosto; não importa, nem mesmo, a mensagemanticidadã que pronunciem. Financiar o conservadorismo é normal. Financiar a mudança é um perigo.

Os governos chamam de “mídia técnica” aquela que é medida pelo Ibope e pelo Índice de Veiculação de Circulação de jornais e revistas (o IVC). Mas esquecem de dizer que o Ibope e IVCs dessas mídias é diariamente alimentado por um mercado de informações privilegiadas e das entrevistas exclusivas concedidas apenas para “os grandes”.

A informação produzida pelo Estado é um bem imaterial, mas que custa dinheiro público para ser produzida. Pois ela é rotineiramente dada privadamente de bom grado, conforme relações de amizade e interesses de evidência, ou jogada pela janela da cizânia de autoridades maiores e menores dos próprios governos. Sem licitação, sem transparência, sem critérios republicanos. Muitas vezes em segredo, o que é algo proibido pela lei que rege o serviço público (salvo raras exceções), mas é afrontosamente tolerado sob o charmoso apelido de “off”.

A “mídia técnica” gasta absurdamente mais recursos em TV do que em rádio, embora o consumo de informação dos brasileiros pelo rádio esteja praticamente no mesmo patamar do da TV. Gasta-se injustificadamente mais do que se deveria em jornais e revistas do que em internet. Gasta-se muito com poucas empresas de comunicação, e pouco com os profissionais que fazem a comunicação. Afinal, a esmagadora maioria dos profissionais da comunicação está fora do pequeno circuito da velha mídia.

Esse é um debate essencial e que precisa mudar de patamar. É preciso olhar ao redor o que acontece no mundo da nova comunicação digital e no que ocorreu bem debaixo de nosso nariz, após os protestos. A comunicação alternativa e popular não pode ser tratada como um jornalismo mambembe, que sobrevive de centavos jogados pelos transeuntes sobre um chapéu virado.

Sua principal virtude é tratada como um defeito pela visão oficial, dado o viés meramente comercial. A comunicação popular e a alternativa não são estritamente jornalismo, são comunicação em sentido amplo. Sua principal atividade não é apenas relatar e opinar (isso também), e sim dar voz, documentar ações e personagens muitas vezes invisíveis, contar histórias de quem é silenciado pelos meios tradicionais. Sua vocação não é a da massificação, mas a de públicos segmentados – melhor seria dizer, públicos especiais. Ela caminha pelo que Castells  chama de “pequenos meandros”, as redes de relacionamento social que precederam as ferramentas eletrônicas criadas para facilitar a produção e entrega de suas mensagens.

Essa comunicação não se dedica ao mercado, e sim à cidadania. Talvez por isso a maioria das áreas de publicidade dos governos, colonizada pela visão marqueteira e focada nos índices de popularidade, não sabe exatamente o que fazer com ela.

Deveria ser acolhida de forma pública e transparente nas estratégias de financiamento das políticas públicas que interessam ao fortalecimento da pluralidade, da democracia, da radicalização dos direitos de cidadania. É claro que essa possibilidade inovadora só poderia existir em governos que também não encarassem a notícia como mercadoria. É difícil encontrá-los.

Assim que Jeff Bezzos comprou o Washington Post, surgiram várias especulações sobre o que ele afinal pretende. Se Bezos estiver pensando grande, pode criar um novo modelo de negócio para o jornalismo, fazendo desaparecer muitos jornais, assim como, com o Kindle, seu leitor de livros digitais, ajudou  a fechar várias livrarias por todo o país. Outra hipótese é a de que, se estiver pensando pequeno, Bezos usará o Post apenas como instrumento para aumentar sua influência em Washington - convenhamos, Bezos não precisa do Post para isso, basta seu dinheiro. Alguns ainda disseram que ele quer, além da marca do Post, se aproveitar de uma parcela preciosa da inteligência nacional, aquela formada pelo excelente time de profissionais da notícia que vive sob o manto e o mito do jornal que derrubou Nixon. Provavelmente, Bezos está pensando não em uma, mas em todas as opções anteriores.

A que me parece mais instigante é justamente a da inteligência nacional. No Brasil, ela está sendo demitida dos jornais e partindo para voos solo, em blogs ou em novas organizações coletivas, micro, pequenas e médias; comunitárias ou cooperativas. Isso deveria interessar aos governos que pretendam uma política ousada e republicana de comunicação, capaz de relacioná-la mais aos direitos de cidadania do que ao Ibope. Uma política que se aproveitasse mais da extraordinária capacidade e inteligência dos jornalistas do que das marcas dos veículos que as transmitem. Afinal, tais marcas são efêmeras e decadentes. É melhor investir em quadros de Paul Cézzane. No futuro, eles valerão bem mais.

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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Como se mede a audiência, afinal?

Pesquisa contesta índices de audiência da mídia eletrônica

Estudo da Fundação Perseu Abramo revela que a mensuração da audiência em aparelhos fixos e sem rodízio ou representatividade efetivamente nacional, e o mero registro da emissora e hora de aparelho ligado não significa audiência efetiva, identificação ou satisfação.

Uma nova pesquisa da Fundação Perseu Abramo sobre democratização da mídia, realizada pela Mark Sistemas de Pesquisa, sob orientação de Gustavo Venturi e de Vilma Bokani, contesta os índices de audiência que costumam ser brandidos pela mídia, como comprovação de que a programação obedece estritamente ao gosto da população e sua audiência.

Para Rachel Moreno, que comenta a pesquisa, ninguém garante que um aparelho de TV ligado numa determinada emissora em determinado horário signifique aceitação acrítica da programação exibida, como demonstram os dados.

Assim, a mensuração da audiência em aparelhos fixos e sem rodízio ou representatividade efetivamente nacional, e o mero registro da emissora e hora de aparelho ligado não significa audiência efetiva (a TV pode estar ligada para fazer barulho de fundo na casa, ou por inércia sem que haja ninguém assistindo), identificação (que parece precária) ou satisfação (que também acusa uma diversidade de problemas).

Clique aqui e leia o comentário completo de Rachel Moreno (com dados interessantíssimos!)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Uma interincompreensão regrada?

O debate interditado

Prefácio de A corrupção da opinião pública – Uma defesa republicana da liberdade de expressão, de Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim, 144 pp., Editora Boitempo, 2013; R$ 30; título e intertítulos do OI

Ao contrário do que vem ocorrendo nas democracias liberais nas últimas décadas, inclusive em países nossos vizinhos da América Latina, no Brasil permanece interditado o debate público sobre o papel central que a mídia ocupa no processo democrático e a imperiosa necessidade de que jornais, revistas, rádio, televisão e internet se submetam a políticas públicas regulatórias garantidoras da universalidade da liberdade de expressão. 

A mídia brasileira não debate publicamente a si mesma.

É verdade que seminários e eventos dos mais variados têm sido promovidos ou contam com o apoio ostensivo dos poucos grupos empresariais privados que controlam a mídia. O tema recorrente tem sido a liberdade de expressão equacionada, sem mais, com a liberdade da imprensa. Mesmo assim, esses seminários e eventos não constituem debate público. Preocupados em garantir os incríveis privilégios assimétricos que conquistaram historicamente e numa reafirmação de sua recusa à negociação democrática, esses grupos debatem, escutam e promovem apenas a sua própria voz. Perspectivas diferentes das suas não são ouvidas e tem sido sistematicamente caracterizadas como autoritárias, populistas e defensoras do controle e da censura estatal. 

São vários os exemplos de recusa à negociação. Lembro três emblemáticos:

(1) o boicote da 1ª. Conferencia Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009. Sob a alegação de controle autoritário da organização e da pauta da Conferencia por parte do governo e da sociedade civil, os principais empresários de mídia tentaram sabotar a Conferencia e satanizaram ela própria e suas centenas de propostas como se constituíssem uma tentativa deliberada de cercear a liberdade de expressão.

(2) o Código Brasileiro de Telecomunicações – lei básica de referência para a radiodifusão – completa meio século em 2012. Apesar da revolução tecnológica ocorrida nos últimos 50 anos, os que controlam o setor, não só se apegam às mesmas posições de quando a lei foi discutida e votada no Congresso Nacional no início da década de 60 do século passado, como se recusam a admitir a necessidade de sua substituição e, até mesmo, de debater publicamente a questão.

(3) depois de um longo e complicado processo de negociação na Assembleia Nacional Constituinte, foram inseridos na Constituição Federal princípios e normas para a comunicação social pendentes de legislação complementar. Decorridos mais de 24 anos da promulgação da Constituição Cidadã, a maioria desses princípios e normas continuam sem ser regulamentados em função da ação direta e/ou indireta dos grupos de mídia. Desta forma, não são cumpridos e, recentemente, alguns desses princípios e normas passaram a ser tratados como “instrumentos de censura estatal” por parte desses grupos. 

Construção e enquadramento

É importante registrar que não são somente os empresários que tem interditado o debate público sobre a mídia. Sucessivos governos, salvo raras exceções como a convocação da 1ª. Conferencia Nacional de Comunicação ao término do segundo mandato do Presidente Lula, tem abdicado de suas responsabilidades de promover o debate público. A proposta de um marco regulatório para a mídia, inúmeras vezes anunciada, até o momento em que se escreve esse Prefácio (outubro de 2012), não se materializou e não foi, portanto, submetida a apreciação do Congresso Nacional.

O que de fato está em jogo quando se interdita o debate sobre a mídia? Onde se situa a raiz de todas essas questões? Qual a liberdade de expressão que tem sido defendida pelos grupos privados de mídia? Quais os conceitos e princípios que precisam ser debatidos publicamente para que a maioria da população se dê conta de que a liberdade de expressão é assunto de seu interesse direto e tem interferência na sua vida cotidiana?

O excelente A Corrupção da Opinião Pública, dos professores mineiros Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim, constitui tentativa pioneira de oferecer, mais do que respostas a essas questões, um roteiro atualizado e didaticamente organizado do que de melhor tem sido produzido sobre o tema, tanto no exterior quanto no Brasil. 

Sua leitura, por outro lado, deixa clara a necessária tarefa – ainda por ser desenvolvida – de se descrever o enfrentamento histórico entre defensores e adversários da liberdade republicana no Brasil. A referencia inicial deverá ser o ano de 1808, quando tardiamente se instala aqui a Imprensa Régia e tem origem o surgimento do que mais tarde viria a ser chamado de opinião publica.

De imediato, A Corrupção da Opinião Pública oferece ao leitor(a) uma inédita referencia teórica e conceitual para que o debate público que ainda não foi feito possa finalmente ser instalado entre nós.
O leitor(a) desse livro compreenderá de maneira clara o porquê de, no Brasil, liberdade e liberdade de expressão constituírem conceitos em disputa e, ao mesmo tempo, princípios a ser defendidos em nome de uma democracia republicana.

Os adversários da isegoria, ao interditarem o debate público, conseguiram construir como significação dominante o entendimento de que estaríamos diante de uma batalha entre liberdade (liberdade de expressão) e censura do Estado (regulação).

Ademais, o vazio provocado pela ausência de propostas do governo e a impotência histórica dos (não) atores da sociedade civil fazem com que o campo de significações sobre o que de fato deveria estar em debate esteja hoje sob o controle exatamente dos opositores históricos da universalização da liberdade de expressão. 

Na verdade, trata-se de velha e conhecida tática. Escolhe-se um princípio sobre o qual existe amplo consenso e desloca-se para seu campo de significação a questão em disputa. Como em política, apoiar uma posição significa estar contra outra, é preciso identificar um adversário, no caso, os inimigos da liberdade de expressão, por extensão, aqueles que querem a censura. 

Torna-se necessário, portanto, que se convença a maioria da população de que “alguém” é contra a liberdade. Como os grupos de mídia (ainda) têm o poder de construir e “enquadrar” a agenda “pública”, eles apresentam a si mesmos como os grandes defensores da liberdade e da liberdade de expressão, em particular. 

Convite implícito
Nesse contexto, não basta comprovar que a mídia é regulada nas democracias mais avançadas do mundo; não basta propor que as normas e princípios constantes da Constituição de 88 sejam o “terreno comum” para se negociar a regulação; não basta mostrar que as mudanças tecnológicas exigem uma atualização da legislação; não basta reiterar compromissos com a Constituição Federal nem com a liberdade de expressão. Nada é suficiente.

Ao usar como estratégia o bordão da ameaça constante de retorno à censura e de que a liberdade de expressão está em risco, os adversários da isegoria transformam a liberdade de expressão num fim em si mesmo e escamoteiam a realidade de que, no Brasil, o debate público – na maioria das vezes – só ocorre quando pautado pelos grupos privados de mídia e que, mesmo assim, uma imensa maioria da população dele continua historicamente excluída.

Contribuir para a mudança desse quadro histórico, diante da importância crítica que a liberdade republicana – democraticamente construída – assume nas democracias contemporâneas, é a razão básica pela qual A Corrupção da Opinião Pública foi escrito.

Esse objetivo terá sido alcançado na medida em que todos os atores envolvidos finalmente aceitem o convite implícito para um debate público democrático que se espera venha a acontecer no interesse coletivo. (Belo Horizonte, outubro de 2012)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Quem diz o que vê? Como diz o que vê?

Somos todos mídia

Bia Martins, do blog Autoria em Rede 

Vivemos em uma época singular, na qual práticas e conceitos usuais vêm sendo desestabilizados por uma lógica que substitui o lugar anteriormente centralizado e restrito de produção de valor por um processo aberto e distribuído em rede, abalando profundamente as estruturas das instituições tradicionais.

Nas últimas semanas, assistimos essa mudança chegar com força total na esfera da imprensa aqui no Brasil, colocando em xeque sua credibilidade e, naturalmente, forçando-a a responder às novas dinâmicas. Um acontecimento, especialmente, marcou essa transformação: a prisão do estudante Bruno Telles no protesto em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo do Estado do Rio de Janeiro, no dia 22 de julho. Negro, morador da Baixada Fluminense, Bruno foi acusado pela Polícia Militar de ter lançado um coquetel molotov na manifestação, além de supostamente carregar mais explosivos em sua mochila.

Logo em seguida, pelas redes sociais, começou a circular um vídeo que mostrava Bruno totalmente fora da área de onde teria sido lançado o coquetel. Mais ainda: ficava evidente que ele não portava nenhuma mochila na ocasião. Para completar, também ficava clara a ação de policiais infiltrados, os P2, levantando a suspeita de que eles é que teriam iniciado os ataques naquele dia.

Assista ao vídeo que mostra Bruno à frente da manifestação e longe do local de onde é lançado o explosivo. Repare o grande número de pessoas filmando e fotografando o protesto.


A repercussão foi tamanha que o vídeo acabou sendo exibido pelo Jornal Nacional e, o mais importante, toda a narrativa que havia sido divulgada sobre aquela manifestação – creditando aos manifestantes o começo do tumulto – teve que ser reconstruída. E Bruno, que por sua condição social teria sido facilmente criminalizado com provas forjadas, foi inocentado e saiu como herói.

A cobertura direta das mobilizações vem sendo feita por diversas pessoas e coletivos, que participam dos protestos ao mesmo tempo em que fazem o registro em streaming – filmando e transmitindo em tempo real. Isto muda tudo: a polícia não pode mais agir impunemente ou impedir o registro. São muitos filmando e muitos mais ainda assistindo simultaneamente em seus computadores, como testemunhas dos acontecimentos.

Além disso, essas transmissões resultam em adesão significativa às mobilizações, fazendo que se transformem em acontecimentos públicos de maior dimensão. Protestos como #ocupacabral e #ocupacamara, que acontecem atualmente na cidade do Rio de Janeiro, ganham maior repercussão na medida em que podem ser acompanhados e apoiados por centenas de pessoas ao vivo. Sem essa cobertura e com a omissão da grande imprensa, teriam certamente muito menos força.

Existem vários grupos trabalhando no streaming dos protestos, como o Olho da Rua, Vidblog Vidigal e Mídia Ninja. Este último é o mais conhecido, por agregar maior audiência e ter conseguido formar uma grande rede de coberturas por todo país e, por isso mesmo, ter também grande penetração nas redes sociais. Vale conferir este site que agrega vários desses coletivos em todo o Brasil.

O fortalecimento desse jornalismo de multidão, exercido pelos cidadãos não necessariamente formados ou em formação nas faculdades de jornalismo ou nas redações, tem causado grande desconforto na grande imprensa. São inúmeros os artigos tentando reforçar o papel do jornalista profissional como mediador autorizado e, ao mesmo tempo, desqualificar aquilo que é produzido fora de seu circuito.

Certamente, este não é o melhor caminho para que a imprensa garanta o seu lugar no espaço público de debate. É preciso reconhecer que a circulação de notícias e opiniões mudou radicalmente e para sempre. Hoje todos somos mídia. Com nossos smartphones podemos registrar os acontecimentos e transmiti-los em tempo real, contribuindo com a construção da opinião pública de forma muito mais plural e diversificada.

A imprensa tradicional, a meu ver, não vai deixar de existir. Sua relevância certamente vai depender de como vai atuar no novo ambiente midiático. Deixará de ter um lugar tão central, como antes, para dividir espaço com a multidão de cidadãos que também participarão da produção de relatos e avaliações sobre os acontecimentos. Sua credibilidade será colocada em xeque a todo momento, por isso mesmo terá que considerá-la muito seriamente pois seus deslizes terão muito mais visibilidade.
Como se vê, vivemos tempos novos e promissores, pois a concorrência da mídia cidadã distribuída contribui, e muito, para o aprimoramento da qualidade de nossa esfera pública.

Um adendo: a cobertura distribuída não começou agora. A reunião da OMC em Seattle, em 1999, marcou o início do jornalismo ativista em rede. Para conhecer mais, a referência é o excelente artigo do professor Henrique Antoun – Jornalismo e ativismo na hipermídia: em que se pode reconhecer a nova mídia.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Mídia Ninja

Boletim Carta Maior
Mídia| 06/08/2013 | Copyleft

Mídia Ninja: "tomar posição sem vestir o manto da falsa imparcialidade da grande mídia"

O ao vivo sem pós-produção da Mídia Ninja é capaz de despertar debates sem o aval da mesma mídia que está, hoje, enxugando suas redações e precarizando seus funcionários. Em entrevista à Carta Maior, os ninjas reclamam da falta de um marco regulatório da mídia e dizem que "a ausência de regulação dificulta o exercício da liberdade de expressão da população."

 
 
A simultânea crise e consolidação dos veículos tradicionais também recebe no seu seio mídias agora reconhecidas como alternativas. Com modo de expor particular: o fato tal como ele se dá e "se dando". O "ao vivo" sem pós-produção. O debate, então, é aberto obrigatoriamente sem aval da mesma grande mídia que está, hoje, enxugando suas redações e precarizando seus funcionários.

Desponta um grupo dentre estes que são conhecidos como meios alternativos de informação: o Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação). O grupo cedeu entrevista por e-mail à Carta Maior e nos contou sobre sua configuração e posição políticas.

A iniciativa fala de dar poder aos novos protagonistas da realidade brasileira, mas também o posicionamento do mercado e Estado traz questionamentos que deverão seguir no horizonte dessa mídia que mesmo incipiente tem seu importante papel. Aprofundar e efetivar a liberdade de expressão para além do capital passa a ser hoje uma das principais pautas da expansão da democracia.

Carta Maior: Quando se iniciaram as atividades do grupo? Quantas pessoas participam do grupo e como são coordenadas suas atividades?

Mídia Ninja: O Ninja surge a partir de um acúmulo de mais de 15 anos de produção midialivrista no Brasil, de experiências que vão desde os fanzines e da blogosfera ao Fora do Eixo, rede que está em mais de 200 cidade no país e vem desenvolvendo tecnologias de comunicação e produção de conteúdo há 7 anos. Nesse processo aproximou de si outras redes, coletivos, jornalistas e midialivristas que, juntos, deram início a um projeto que ao mesmo tempo conseguiu que se fortalecesse um veiculo independente, como também catalisar uma rede de comunicação autônoma que usufrui dos frutos e ferramentas desenvolvidas durante esse histórico.

Hoje ele é uma rede descentralizada de comunicadores que buscam novas possibilidades de produção e distribuição de informação. São milhares de pessoas usando a lógica colaborativa de compartilhamento que emerge da sociedade em rede como premissa e ferramenta. A iniciativa veio à tona há meses atrás, durante a cobertura do Fórum Mundial de Mídia Livre na Tunísia. Desde então, o Ninja vem realizando coberturas por todo Brasil, apresentando pautas e abordagens omitidas na mídia tradicional.

CM: Qual, na opinião de vocês, é a função das narrativas independentes? De que maneira vocês quiseram retratar os atos e protestos dos últimos dois meses?
MN: A função das narrativas independentes é dar poder a cada vez mais gente para contar histórias a partir do ponto de vista do que estão vivendo. Mais do que uma ferramenta, é uma noção que ajuda a dimensionar a comunicação como serviço de utilidade pública.

Além de comunicadores, somos ativistas também. Quando fomos fazer a cobertura da vinda do Papa ao Brasil por exemplo, direcionamos o nosso olhar para entender quem era contra a visita de Francisco, não contra a religião, mas que protestava pela ausência de um Estado laico.

Logo, as nossas coberturas sempre explicitarão aquilo que de fato estamos vendo e vivendo. Nós também tomamos bombas em protesto, dois de nós já foram presos apenas por estar exercendo o direito à comunicação. Quando fazemos a cobertura de um protesto indígena ou quilombola, estamos de fato envolvido com aquela pauta, não se ganha legitimidade com quem está nas ruas apenas com discurso, a nossa prática de mídia precisa estar com a frequência modulada com o espaço-tempo da nossa geração.

CM: O que pensam do Marco Regulatório da Mídia? Como vocês veem o problema da mídia no Brasil?

MN: A ausência de regulação dificulta o exercício da liberdade de expressão da população, e favorece a existência de oligopólios que tanto comprometem a pluralidade nos conteúdos que são veiculados quanto a independência nas pautas.

Outro ponto: a falta de um marco regulatório não condiz com o contexto político, que apresenta o empoderamento de uma nova geração de protagonistas. As possibilidades que temos com a tecnologia disponível hoje em dia e as possibilidades de democratização da produção de conteúdo também não são contempladas.

É dever do estado também promover a diversidade de opiniões. Uma lei contribuiria necessariamente para a não criminalização dos movimentos sociais, por exemplo. Além de garantir a diversidade e o direito de manifestação e liberdade de expressão, distribuindo de forma mais equânime e democrática o recurso público ou o espectro eletromagnético.

Da forma que está hoje, a Globo recebe uma porcentagem gigantesca das verbas de publicidade do governo e uma emissora como a Jovem Pan ocupa uma faixa de espectro equivalente a de centenas de rádios comunitárias.

CM: De que maneira vocês se colocam no debate político hoje?

MN: A mídia livre é um ato político, e todo ato precede necessariamente de um debate. Tomar uma posição diante do que estamos cobrindo sem vestir o manto da falsa imparcialidade da grande mídia já é uma forma de se colocar.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A nova mídia velha: dois casos

Fonte: Diário do Centro do Mundo

A agonia da Abril

Paulo Nogueira, 3 de agosto de 2013

Ao contrário de outras crises da mídia impressa, desta vez o caso é terminal.

A comunidade jornalística está em estado de choque pela carnificina editorial ocorrida na Editora Abril.
Nos tempos em que as revistas tinham futuro, na década de 1980
Nos tempos em que as revistas tinham futuro, na década de 1980
Mas eis uma agonia anunciada.
Revistas – a mídia que fez a grandeza da Abril – estão tecnicamente mortas, assassinadas pela internet.

Os leitores somem em alta velocidade. Quando você vê alguém lendo revistas (ou jornal) num bar ou restaurante, repare na idade.

Jovens estão com seus celulares ou tablets conectados no noticiário em tempo real.
Perdidos os usuários, foi-se também a publicidade. Em países como Inglaterra e Estados Unidos, a mídia digital já deixou a mídia impressa muito para trás em faturamento publicitário.

E no Brasil, ainda que numa velocidade menor, o quadro é exatamente o mesmo. Que anunciante quer vincular sua marca a um produto obsoleto, consumido por pessoas “maduras”.

Apenas para lembrar, no mundo das revistas, nunca, em lugar nenhum, funcionou publicitariamente revista para o público “maduro”.

Sucessivas revistas para mulheres “de meia idade” em diversos países fracassaram à míngua de anúncios. O anunciante quer o jovem no auge do consumo. É um fato.

Crises as editoras de revistas enfrentaram muitas. Mas esta é diferente. Desta vez, o caso é terminal.
Antes, e eu vivi várias crises em meus anos de Abril, você sabia que uma hora a borrasca ia passar.
Agora, você olha para a frente e observa apenas o cemitério.

Sobrarão, no futuro, algumas revistas – mas poucas, e de circulação restrita porque serão um hábito quase tão extravagante quanto se movimentar em carruagem.

Na agonia, o que companhias como a Abril farão é seguir a cartilha clássica: tentar extrair o máximo de leite da vaca destinada a morrer.

Para isso, você enxuga as redações, corta os borderôs, piora o papel, diminui as páginas editoriais e, se possível, aumenta o preço.

É uma lógica que vale mesmo para títulos como Veja e Exame, os mais fortes da Abril. Foi demitido, por exemplo, o correspondente da Veja em Nova York, André Petry.

Grandes revistas da Abril, como a Quatro Rodas, passaram agora a não ter mais diretor de redação.
Em breve deixará de fazer sentido uma empresa que encolhe ficar num prédio como o que a Abril ocupa na Marginal do Pinheiros, cujo aluguel é calculado entre 1 e 2 milhões de reais por mês.

É inevitável, neste processo, que a empresa perca o poder de atrair talentos. Quem quer trabalhar num ramo em extinção?

Os funcionários mais ousados tratarão de sair, em busca de carreiras em setores que florescem.
Ao contrário de crises anteriores para a mídia impressa, esta é, simplesmente, terminal.

Corre o boato de que a empresa será vendida. Mas quem compra uma editora de revistas a esta altura? Recentemente, no Reino Unido, correu o boato de que o proprietário dos títulos Evening Standard e Independent estaria vendendo seus jornais. Numa entrevista, isso lhe foi perguntado por um jornalista. “Mas quem está comprando jornais?”, devolveu ele.

É um cenário desolador – e não só para a Abril como, de um modo geral, para toda a mídia tradicional, incluída a televisão.

A internet é uma mídia que se classifica como disruptora: ela simplesmente mata. O futuro da tevê está muito mais na Netflix ou no Youtube do que na Globo.

As empresas de mídia estão buscando alternativas para sobreviver. A News Corp, de Murdoch, separou recentemente suas divisões de entretenimento e de mídia, para que a segunda não contamine a primeira.

A própria Abril vai saindo das revistas e tentando um lugar ao sol na educação.

Mas escolas – supondo que a Abril supere o problema dramático de imagem da Veja, pois isso vai levar muitos pais a recusar dar a seus filhos uma educação suspeita de contaminação pela Veja – não dão prestígio e nem dinheiro como as revistas deram ao longo de tantos anos.

Isso quer dizer que a Abril luta pela vida. Mas uma vida muito menos influente e glamorosa do que a que teve sob Victor Civita, primeiro, e Roberto Civita, depois.

 

 ***

O iceberg tenta resgatar o Titanic: a compra do Washington Post pelo dono da Amazon

Kiko Nogueira, 6 de agosto de 2013
 
Jeff Bezos pagou US$ 250 milhões (um quarto do que custou o Instagram) pelo jornal que deu o furo de ‘Watergate’.

A notícia da compra do Washington Post pelo empresário Jeff Bezos, dono da Amazon, causou um terremoto na mídia americana. Bezos pagou 250 milhões de dólares de um fundo que usa para explorações científicas chamado Expeditions. A família Graham era dona do Post desde 1946. Katharine Weymouth, a atual publisher, se declarou entusiasmada com o negócio. O WaPo, como é apelidado, é responsável pelas reportagens sobre Watergate, que causaram a queda de Richard Nixon. Weymouth falou da capacidade de Bezos de conduzir a publicação “para um futuro digital”. Ela permanecerá no cargo, por enquanto.
jeff
Bezos
Ferido de morte pela Internet, o Post foi vendido por um quarto do valor desembolsado pelo Tumblr e pelo Instagram (e pelo mesmo que um colecionador pagou por um quadro de Cézanne há dois anos).

Os jornalistas estão atônitos. O iceberg (a Internet) resgatou o Titanic (a velha mídia)? Foram pegos de surpresa (um dia antes do anúncio oficial, o New York Times publicou um perfil de Weymout em que nada disso foi mencionado). Vários colunistas da casa se manifestaram. Um deles, Ezra Klein, finalizou seu artigo resumindo o sentimento geral: “Estou esperançoso”.

Aos 49 anos, Bezos tem uma fortuna pessoal calculada em 22 bilhões de dólares. É um liberal que apoia causas como o casamento gay. Tem fama de controlador e perfeccionista. Testemunhas falam de reuniões que só começam depois de leituras silenciosas de longos memorandos de seis páginas. Na carta aos funcionários, escreveu o seguinte: “Haverá, claro, mudanças no Post nos próximos anos. É essencial e teria acontecido com ou sem um novo proprietário. A Internet está transformando quase todos os elementos do negócio da notícia: encurtando o ciclo delas, erodindo fontes de financiamento antigas e permitindo o surgimento de novos competidores”.

Bezos está sendo encarado com a grande esperança branca. Carl Bernstein, que junto com Bob Woodward produziu as matérias do Watergate, acredita que Bezos vai combinar “as melhores sensibilidades da velha e da nova era”.

Mas a verdade é que Bezos não é uma instituição benemerente e fará o que a família não quer mais fazer: cortar. Ou, em tucanês, promover uma “reestruturação”. Isso significa demitir pessoas, diminuir salários etc.

O Washington Post perdeu relevância e dinheiro de maneira dramática nos últimos anos. O prejuízo em 2012 foi cinco vezes maior que o de 2010. Mudaram de endereço para um prédio menor.

Fecharam escritórios em outras cidades. Mas a sangria não foi desatada. Em seu comunicado oficial, o CEO Donald Graham (tio de Katharine Weymouth) admitiu que os lucros “têm diminuído há sete anos. Nós inovamos, e na minha visão nossas inovações foram bem sucedidas em termos de audiência e qualidade, mas não foram suficientes para deter o declínio do faturamento”.

A negociação é um sinal dos tempos. Um bilionário do Vale do Silício assume um jornal com mais de 100 anos de idade. Não se sabe no que vai dar. Mas Jeff Bezos vai fazer o que tem de ser feito no velho Washington Post — e a família Graham estará assistindo, enquanto o sangue escorre.