segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Metadados: pra que servem? pra quem servem?

NSA tem o perfil dos contactos sociais de milhões de cidadãos


Do portal Esquerda.net

30/09/2013 - Uma investigação publicada sábado pelo The New York Times, baseada nos documentos revelados por Edward Snowden, mostram como a Agência Nacional de Segurança (NSA) se dedica há anos a traçar uma rede de contactos sociais para aprofundar o perfil de qualquer cidadão americano.

A ideia é que pode ser muito mais revelador da atividade de uma pessoa saber com quem ela se relaciona, por onde se desloca, a que instituições recorre, onde faz compras, do que o próprio conteúdo das mensagens.

Os chamados “metadados” podem ser, de facto, extremamente reveladores. Os registos de e-mails e de chamadas telefónicas, por exemplo, permitem aos analistas da NSA identificar amigos pessoais e sócios, detectar onde essas pessoas estavam em determinado momento, obter pistas sobre afiliações ou preferências partidárias ou religiosas, retirar conclusões de chamadas regulares para psiquiatras, por exemplo.

O jornal ouve um professor de direito da George Washington University que explica que saber o número para o qual a pessoa ligou numa certa hora, ou a localização do telemóvel, permite traçar a imagem do que essa pessoa está a fazer. “É o equivalente digital de seguir uma pessoa na rua”.


Resolução de 1979

A recolha desses dados foi desencadeada por uma resolução do Supremo Tribunal de 1979 que estabelecia que o cidadão não pode esperar que haja privacidade em relação ao número telefónico para o qual ligou. A partir daí, a NSA passou a obter dados como o registo de telefonemas dados e recebidos e endereços de e-mail sem pedir autorização a um tribunal, o que teria de fazer se quisesse conhecer o conteúdo dessas chamadas.

Esses dados só eram permitidos, porém, se estivessem relacionados a uma ligação entre um cidadão americano e outro estrangeiro. A partir de 2010, porém, a NSA passou a fazer essa “perseguição digital” a qualquer cidadão americano, bastando para isso dizer que havia motivos relacionados com a política externa.

O New York Times revela que pelo pedido de orçamento da agência para 2013 é possível ter uma ideia do alcance a que esta análise de metadados chega: o software e o número de técnicos permite à NSA registar 20 mil milhões de eventos diariamente, e torná-los disponíveis aos analistas da NSA em apenas 60 minutos.

sábado, 28 de setembro de 2013

Iphone: conexão de quem com quem?


A devastadora “modernidade” do novo Iphone5

Suspeita de comprar estanho que é extraído por crianças e arrasa um paraíso ambiental, Apple reage tratando usuários como otários
por Vinicius Gomes publicado 27/09/2013 15:23 
 

“Mineração sem regras reduz florestas a paisagem pós-holocausto, de areia e subsolo ácido. Crianças trabalham em condições chocantes. Um mineiro morre, em acidente de trabalho, a cada semana."


Toda vez que um novo iPhone está para ser lançado, produz-se um frisson mundial. No caso do novo Iphone 5S, não foi diferente. Pessoas acamparam por semanas em frente à loja da Apple em Nova York, esperando que suas portas se abrissem. Quando isso finalmente ocorreu, foram saudadas pelos funcionários como se tivessem acabado de conquistar uma medalha de ouro nas Olimpíadas. Mas por trás de toda a fanfarra de marketing, existe uma realidade que quase nunca é acompanhada pela mídia com tanta empolgação como as filas em frente das lojas.

O jornalista britânico George Monbiot começou a revelá-la esta semana, em seu blog. A Apple, demonstrou ele, participa de um dos crimes ambientais que melhor expõem a desigualdade das relações Norte-Sul e a irracionalidade contemporânea. Ela provavelmente compra estanho produzido, na Indonésia, em relações sociais e de desprezo pela natureza que lembram as do século 19. Pior: convidada por ativistas a corrigir esta prática, a empresa esquiva-se – destoando inclusive de suas concorrentes. E, ao fazê-lo, usa argumentos que sugerem: trata o público s seus consumidores como se fossem incapazes de outra atitude mental além do ímpeto de consumo.

Monbiot refere-se ao uso, pelos fabricantes de celulares, do estanho extraído da ilha de Bangka, na Indonésia. O metal é indispensável para a soldagem interna dos smartphones. Cerca de 30% da produção global concentra-se na Indonésia – mais precisamente, em Bangka. O problema são as condições de extração.

O jornalista as descreve: “Uma orgia de mineração sem regras está reduzindo um sistema complexo de florestas tropicais e campos a uma paisagem pós-holocausto de areia e subsolo ácido. Dragas de estanho, nas águas costeiras, também estão varrendo os corais, os manguezais, os mariscos gigantes, a pesca e as praias usadas como ninhos pelas tartarugas”.


A cobiça pelo estanho barato não poupa nem a natureza, nem o ser humano. Monbiot prossegue: “Crianças são empregadas, em condições chocantes. Em média, um mineiro morre, em acidente de trabalho, a cada semana. A água limpa está desaparacendo. A malária espalha-se e os mosquitos proliferam nas minas abandonadas. Pequenos agricultores são removidos de suas terras”.
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Estas condições desesperadoras desencadearam reação de ativistas. A organização internacional Amigos da Terra articulou o movimento. Não se trata de algo conduzido por rebeldes sem causa. A campanha reconhece que eliminar a mineração seria uma proposta inviável, por desempregar milhares de pessoas. Propõe, ao contrário, um pacto. Todo o estanho produzido em Bangka é adquirido pelas corporações que fabricam celulares. Se elas concordarem em respeitar condições sociais e ambientais decentes, a exploração de gente e da natureza não poderá prosseguir.

Sete fabricantes transnacionais abriram diálogo com a campanha: Samsung, Philips, Nokia, Sony, Blackberry, Motorola e LG. A única das grandes fabricantes a se recusar foi a Apple – também conhecida por encomendar a fabricação de seus aparelhos às indústrias de ultra-exploração do trabalho humano da Foxconn.


O mais bizarro, conta Monbiot, são os estratagemas primitivos usados pela Apple para evitar um compromisso de respeito aos direitos e à natureza. O jornalista procurou por duas vezes, nos últimos dias, o diretor de Relações Públicas da empresa. Propôs, em nome da transparência, um diálogo gravado. Sugestão negada. Na conversa reservada, relata, não obteve informação alguma, exceto uma sugestão: dirija-se a nosso site.

Mas é lá, diverte-se Monbiot, que a Apple mais zomba da inteligência dos consumidores. A corporação informa, placidamente, que “a Ilha de Bangka, na Indonésia, é uma das principais regiões produtoras de estanho no mundo. Preocupações recentes sobre a mineração ilegal de estanho na região levaram a Apple a uma visitas de inspeção, para saber mais”. Mas a Apple não reconhece que compra o metal produzido em Bangka – provavelmente para não se comprometer com a campanha contra a exploração devastadora. O jornalista, então, pergunta: “Por que dar-se ao trabalho de uma visita de inspeção, se você não usa o estanho da ilha? E se você usa, por que não admiti-lo?”
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Tudo isso sugeriria renunciar a um celular? Claro que não, diz Monbiot. Trata-se de exigir das empresas respeito a normas sociais e ambientais. Pressionadas, sete corporações transnacionais ao menos admitiram debater o tema. A Apple destoou. Quem tem respeito pelos direitos sociais e pela natureza deveria evitar os aparelhos da empresa, recomenda o jornalista.


Quem quer ir além pode, por exemplo, optar pelo Fairphone, celular produzido por empreendedores expressamente interessados em proteger direitos e ambiente. Estará disponível a partir de dezembro. Porém, mais de 15 mil unidades já foram vendidas, nos últimos meses a consumidores conscientes.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Mídia Ninja e Fora do Eixo no Congresso Nacional


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Políticas públicas para a cultura e comunicação em debate Congresso no Nacional

A rede Fora do Eixo e a Mídia NINJA foram temas da Audiência Pública promovida na última terça, dia 17, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Realizada no plenário 01, e convocada por unanimidade na Comissão de Cultura após requerimento feito pelos deputados Nilmário Miranda (PT / MG) e Jandira Feghalli (PC do B / RJ) - presidenta da Comissão, a audiência movimentou cerca de 300 pessoas, entre deputados e socidade civil.
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Foram mais de 04 horas de debates intensos sobre as mais diversas iniciativas que as redes participam e também sobre a importância de um Marco Regulatório para redes e movimentos de todo país. Deputados dos mais variados partidos estiveram presentes assim como coletivos parceiros de todo país, debatendo em conjunto a criminalização dos movimentos, Leis de Incentivo, comportamento coletivo, democratização da mídia e muito mais.

Confira abaixo trechos dos diálogos:
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Pablo Capilé

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"Não existe dinheiro para produção cultural hoje no Brasil. Não há um sistema nacional de cultura que de fato seja efetivo e que consiga fazer os governos federal, estadual e municipal estarem integrados num bloco de investimentos. O investimento na cultura em nosso país é ínfimo. Cresceu muito nos últimos anos, mas está muito longe da demanda de produção cultural que temos, e por isso desenvolvemos novas formas de se fazer cultura no Brasil: com caixas coletivos, moedas complementares, casas coletivas. Um outro gargalo é que o próprio Estado que criminaliza os movimentos culturais. A Lei 8.666 te coloca no mesmo lugar de grandes corporações para prestar contas. Uma grande corporação que gere R$ 60 milhões, e que tem um grande corpo técnico é capaz de prestar forma conta como o sistema pede. Da mesma forma você tem um ponto de cultura que tem R$ 60 mil para gerir, é o mesmo que presta conta, é aquele está apresentando a peça no palco, e se ele compra um parafuso ao invés de um prego, corre o risco de ser preso.
Nós precisamos criar mecanismos pra tratar os diferentes de forma diferente. Não dá para você achar que a perspecativa isonômica vai tratar uma grande fundação da mesma forma que trata o pequeno ponto de cultura. Tem que ter uma forma de conseguir refletir ao entorno dessas diferenças gritantes que existem num país de dimensões continentais como o nosso."


Bruno Torturra

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"Para mim nós vivemos potencialmente a idade de ouro do jornalismo, em uma sociedade que se define pela leitura constante de informações, pela troca. Cada vez mais brasileiros têm um smartphone capaz de fazer o que apenas um canal de televisão era capaz de fazer há 10 anos. E como aceitamos a idéia de que o jornalismo está morrendo?
Há um potencial gigantesco colocado em nossa geração: pessoas que já nascem na rede e já nascem comunicadores públicos. Há uma massa de jornalistas e estudantes de jornalismo sem emprego e sem perspectiva de emprego, e mais do que isso, há uma massa da população precisando, demandando, esperando um jornalismo diferente, confiável, independente. Menos de 8% da população brasileira acredita que a grande mídia representa a população ou valores democráticos, 35% acreditam que os veículos representam os interesses de seus donos, 32% acreditam que a grande midia representa os interesses dos mais ricos, 15% acreditam que a grande mídia representa o interesse de políticos vinculados a esses veículos. Essa crise de identidade você mede na rua. Se você for ver as marchas de junho e julho, um alvo cada vez mais frequente nas ruas era a própria mídia. Muitos entenderam as manifestações como um fenômeno político inédito: eu acredito que são sobretudo um fenômeno de comunicação, com a capacidade e empoderamento súbito das pessoas de criar as próprias narrativas e quebrar uma narrativa oficial onde todos simultaneamente conseguiram falar que o rei estava nu.

Ivana Bentes

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"As políticas públicas do Brasil ainda estão sendo pensadas para um modelo de economia industrial, fordista, fabril. Digo isso na economia, na cultura, na educação - o que nós temos é uma linha de montagem que tenta dar conta de um modelo serial, que está em transição e em crise. Trata-se efetivamente da grande disputa e do grande desafio não só do Fora do Eixo, mas de todos os pontos de cultura, de todas as pessoas que trabalham com cultura, e eu diria mais, de todos os jovens brasileiros. Tínhamos a conclusão de que todos os jovens iriam entrar no sistema formal de trabalho, com seus direitos assegurados, e essa não é a realidade do Brasil e do mundo. Quando eu digo que o Fora do Eixo transformou precariedade em autonomia, ele está inventando através da sua moeda complementar, através do trabalho colaborativo, através do aproveitamento desse momento de uma economia da abundância, onde com internet, com acesso a comunição, você pode produzir muito, transformar pobreza, precariedade, em riqueza, em valor. Então acho que essa é a máscara dessa outra economia, da economia do comum, do colaborativo que nós estamos vivendo, e está sendo criminalizada. Então nós estamos tratando da nova forma do trabalho da juventude do Brasil, estamos tratando dessa nova forma de trabalho do precariado, que está no hip hop, nos pontos de cultura, está por todo lugar que é o autônomo, ou seja, é transversal essa crise, e a crise do emprego fordista".

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Jandira Feghali (PC do B / RJ)

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“Este fórum, a possibilidade de debate entre cultura e comunicação, acontece em um momento bastante interessante na política brasileira.
Acho que um grande legado ao Parlamento e ao país que esta Comissão pode deixar, é a desburocratização da relação Estado e sociedade por meio de uma política estruturante. Um grande salto que podemos dar é fazer com que a Comissão seja uma espécie de fiadora de mobilização popular.
Quanto a credibilidade da mídia, há uma provocacão importante: a internet é um campo livre de opiniões, e é um espaço de disputa. Como vocês enxergam a disputa política nos espaços de comunicação?. Dentro disso um outro encaminhamento desta Comissão é a criação grupo de trabalho especifico para estruturar as propostas que acumulamos até aqui e dar visbilidade a questão da mídia”. Veja fala completa aqui.

Jean Willys (PSOL / RJ)

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“Como é que o Fora do Eixo lida com a vontade dos artistas de ser eixo e de estar no eixo? Como desarticular esse Star system? Que outra proposta de sucesso existe e quais são as dificuldades que você tem de lidar com esse imaginário do artista que já está impregnado com essa ideia de sucesso?”
Veja a fala completa aqui.


Evandro Milhomem (PC do B / AP)

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“Eu fico muito contente com a oportunidade de ter um debate como esse. Nem sempre os compromissos com a formalidade dessa Casa permitem-nos debater estes temas de forma relacionada: mídia, economia solidária, cultura, tudo com o devido entrelaçamento entre essas coisas que estão no dia a dia das pessoas.”
Veja a fala completa aqui.

José Stédile (PT / RS)

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"Na minha opinião, o movimento Fora do Eixo, depois do MST (que durante muitos anos foi referência dos movimentos sociais), é um movimento que está se tornando referência no Brasil, e não é porque luta pela Cultura, é porque luta por um novo modelo de vida. "
Veja a fala completa aqui.

Domingos Sávio (PSDB / MG)

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"Tenho um sobrinho que participa do movimento Coletivo Fora do Eixo, um músico em Minas Gerais encantado com todo o processo. Acho muito importante que a gente construa uma alternativa. Na verdade você tem uma Lei que regulamenta a aplicação de um pequeno recurso ou de milhões de reais tentando colocar tudo com a mesma regra, então você precisa ter um modelo simplificado e com mais controle social por que o modelo simplificado não pode ser a premissa da falta de transparência, o modelo simplificado, para não cair em descrédito, tem que ser um modelo hiper simplificado e que tenha mais transparência".
Veja a fala completa aqui.

Waldenor Pereira (PT / BA)

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"Lá na minha cidade, um grupo do Fora do Eixo realiza um festival cultural de muito boa qualidade, inclusive com ações como música, teatro, cinema, entre outras atividades. Portanto, quero mais uma vez testemunhar que a experiência do Fora do Eixo por lá é uma experiência exitosa - pelo que realiza quase semanalmente na nossa cidade, palco de uma grande efervescência cultural".
Veja a fala completa aqui.

Fernando Marroni (PT / RS)

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"Parabéns pelo trabalho! Eu acho que estamos vivendo em uma disputa política sobre mídia, sobre sistemas de convivência, ou seja, um projeto que se contraponha a isso".
Veja a fala completa aqui.

Marina Santanna (PT / GO)

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"Sem dúvida entendo que o movimento Fora do Eixo é de fato uma orientação preciosa para caminhos novos nos movimentos que vão surgindo. A feição é nova, os instrumentos são novos, existem novos recursos. Essas possibilidades de educação política pela cultura e pela comunicação estão colocadas".
Veja a fala completa aqui.


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Dúvidas?

Entre em contato com midianinja@gmail.com e contato@foradoeixo.org.br

reproduzido  

De:     Fora do Eixo <contato@foradoeixo.org.br>
Assunto:     Mídia NINJA e Fora do Eixo são temas de debate no Congresso Nacional

domingo, 22 de setembro de 2013

Quem fala em "liberdade de expressão" está falando em quê mesmo?

Por Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo

Imagine que você é um jovem jornalista que trabalhe num site de uma grande publicação.

Você bate os olhos numa notícia: a multiplicação dos memes sobre a foto das atrizes da Globo em protesto contra a decisão do STF de respeitar a lei e, portanto, permitir embargos de alguns acusados no processo do Mensalão.

Repito: decisão de respeitar a lei, como demostrou em mais de duas horas o ministro Celso de Mello.
Então você faz, satisfeito, um texto sobre os memes porque isto é notícia: afinal, é uma reação ao fato que mais marcou os brasileiros na semana.

E finalmente você recebe dos superiores não os parabéns por ter identificado um assunto de alto interesse – mas a brutalidade da censura arbitrária.

Sua reportagem é, simplesmente, deletada porque a realidade que ela revela não se coaduna com a realidade que a publicação tenta, a bordoadas, impingir a seus leitores.

“Que eu estou fazendo aqui?” é a pergunta inevitável que você se faz numa situação deprimente daquelas.

Bem, não é o roteiro de um pesadelo jornalístico para jovens. É o que aconteceu na Veja na mesma semana em que a revista comemora seus 45 anos parecendo ter, mentalmente, 145.

A autocensura foi notada no Twitter, e causou merecido escárnio.

Vai ficando cada vez mais difícil para a Veja, por coisas desta natureza, atrair jovens talentosos: quem quer trabalhar nestas circunstâncias?

Você tem vinte e poucos anos, tem o idealismo da juventude: o que você pode fazer numa revista que representa e defende a manutenção de um Brasil iníquo e na qual você não pode publicar sequer um texto sobre memes?

A Veja, ao chegar aos 45 anos, é simplesmente a negação do zeitgeist – o espírito do tempo. Combater a desigualdade social é a essência do zeitgeist moderno, não apenas no Brasil mas no mundo.

Mas a Veja marcha do lado contrário, impávida e orgulhosa.

É assim que ela chega a 45 anos. E é por causa disso que ela não irá muito adiante: por seu divórcio com o mundo tal como ele é. Em sua louca cavalgada editorial, a revista pôs na capa desta semana a imagem da justiça curva. A justiça teria se curvado aos poderosos, aspas, ao acolher os chamados embargos infringentes. Ora, como um heroi da própria Veja — o jurista Celso de Mello — demonstrou em seu voto longo no STF na verdade o que se fez foi respeitar a lei e a Constituição.

A internet está castigando a revista, é certo: a cada dia menos pessoas leem publicações impressas. Revistas muito maiores que a Veja, no mundo, já morreram, como a americana Newsweek. A própria Time, a maior de todas, agoniza sem que seus proprietários consigam encontrar um comprador para ela. Mas o problema maior da Veja não é uma tecnologia que a faz obsoleta – é um conjunto de crenças absurdas que a faz cega.

domingo, 15 de setembro de 2013

Conhecimento, ciência, medições, custos...


Editor da revista PLoS One fala sobre como os critérios inovadores de publicação do periódico estão modificando a forma como as pesquisas são divulgadas e avaliadas (PLoS)
Fonte: Revista Fapesp

Transformando a comunicação científica

11/09/2013
Por Karina Toledo, de Caxambu
Agência FAPESP – Tornar os resultados das pesquisas realizadas acessíveis ao maior número de pessoas – no menor tempo possível – e deixar a comunidade científica julgar a relevância do artigo após sua publicação. Essa ideia inovadora norteou a criação da revista PLoS One, em 2006, e vem transformando a comunicação científica em todo o mundo.

A avaliação foi feita por Eric Martens, editor sênior do periódico, durante conferência apresentada na 28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada em Caxambu (MG) entre os dias 21 e 24 de agosto.

De acordo com Martens, em 2012 a PLoS One publicou 24 mil artigos, com uma taxa de aceitação de 70%. Em média, 200 submissões são recebidas e 140 trabalhos são publicados diariamente.
“Enquanto muitas revistas rejeitam até 90% dos artigos submetidos para elevar seu fator de impacto, a PLoS One tem uma filosofia única: todas as pesquisas consistentes do ponto de vista ético e científico, que contribuem de alguma forma para o conhecimento de uma determinada área, devem ser publicadas e ter acesso livre. Não rejeitamos um artigo com base em seu suposto impacto”, disse Martens.

Como a PLoS One se propõe a divulgar pesquisas de todos os campos da ciência e da medicina, não há risco de um artigo, fruto de trabalho interdisciplinar, ser rejeitado por não se encaixar no escopo de uma determinada área de estudo. Também são bem-vindas as pesquisas com resultados negativos, ou seja, que não comprovam a hipótese inicialmente proposta.

“Há áreas com poucas opções de periódicos de acesso livre, como Paleontologia. A PLoS One é uma boa opção nesses casos”, disse Martens.

O editor, no entanto, ressalta que há critérios que precisam ser atendidos para o trabalho ser aceito. Além de não ter sido publicado anteriormente e de apresentar um conhecimento novo para a área, precisa contar com experimentos, estatísticas e análises de alto nível técnico. Todos os dados devem ser descritos com um grau de detalhamento que permita sua reprodução por qualquer interessado.
As conclusões devem estar apresentadas de forma adequada e serem amparadas pelos dados obtidos nos experimentos e análises. O artigo precisa estar escrito de forma inteligível, de acordo com o padrão da língua inglesa. A pesquisa deve seguir o padrão internacional de ética e de integridade em pesquisa.

Segundo Martens, os motivos para a rejeição de um artigo na PLoS One geralmente estão relacionados a problemas fundamentais de metodologia ou de interpretação dos resultados. “Fatores como experimentos mal desenhados, amostras insuficientes, falta de força estatística nos resultados ou técnica inapropriada de análise”, exemplificou.

Além da equipe da revista, participam do processo de revisão – que dura em média 40 dias – os chamados editores acadêmicos, especialistas de diversas áreas que atuam como colaboradores fixos. Eles decidem se há ou não necessidade de revisores externos.

“Para garantir a transparência do processo, a carta de aceitação ou rejeição de um artigo é sempre assinada pelo editor acadêmico responsável e essa informação também é publicada. Os revisores externos também são encorajados a assinar a avaliação”, contou Martens.

O modelo de julgamento com base na consistência da pesquisa e não no seu impacto tem se mostrado bem-sucedido, na avaliação de Martens. Mas há, segundo ele, uma série de ferramentas cruciais para que funcione. O site da revista oferece, por exemplo, uma seção de comentários e uma série de indicadores que revelam quantas vezes o artigo foi acessado e citado, com gráficos que mostram sua evolução ao longo do tempo.

Além disso, o alcance do trabalho entre o público geral é medido pelo número de vezes que ele foi compartilhado em blogs e redes sociais.

“Acreditamos que esse modelo de métrica individual seja uma boa alternativa ao modelo de fator de impacto baseado na revista. Isso está mudando a forma como as pessoas pensam e avaliam a pesquisa científica”, avaliou.

O problema com o conceito de fator de impacto, segundo Martens, é o fato de estar baseado na média do número de citações que os artigos de uma revista receberam em um determinado período – o que mascara as variações existentes dentro de cada periódico.

“A Nature, por exemplo, tem um fator de impacto superior a 30. Mas se você analisa a distribuição das citações da revista verá que é altamente variável. Há alguns artigos que tiveram muito impacto e são citados até hoje, como o do Projeto Genoma Humano. E há outros que foram citados apenas uma ou duas vezes ao longo de sua história”, afirmou.

Modelo de sucesso
Para que um periódico seja considerado verdadeiramente de acesso livre (open access), dois critérios precisam ser atendidos: o conteúdo precisa estar disponível gratuitamente na internet, sem exigência de cadastro ou assinatura, e os leitores devem ter permissão do copyright para republicar ou reusar o conteúdo como quiserem. A única condição é a atribuição do trabalho aos autores e editores.

Na avaliação de Martens, esse modelo tem se mostrado bem-sucedido e está crescendo rapidamente, impulsionado principalmente por instituições como a Comissão Europeia, os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido, o National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

“Esses órgãos determinaram que toda a pesquisa que financiam deve ser de acesso livre. Algumas importantes universidades também já adotaram políticas para incentivar a prática, como Harvard, Columbia, Duke, Princeton, Stanford e MIT [Massachusetts Institute of Technology]”, disse.

Martens, no entanto, reconhece que atualmente o custo de publicação para os que optam pelo modelo “open acess” recai sobre o pesquisador. No caso da PLoS One, é preciso desembolsar cerca de US$ 1,3 mil para cada artigo. Nas revistas em que a taxa de rejeição é maior, o custo de publicação também costuma ser mais elevado.

“Queremos chegar ao ponto em que as instituições que financiam as pesquisas entendam que tornar seus resultados acessíveis de forma livre é parte essencial do processo e assumam esse custo”, defendeu.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

As técnicas e a organização social

Proposta de mercado único de telecomunicações impacta neutralidade de rede

Da redação, com Tele.Síntese
fonte: ARede
comissao europeia11/09/2013 - A Comissão Europeia (CE) anunciou nesta quarta-feira (11) seu plano de reforma do setor de telecomunicações, que classificou como o mais ambicioso dos últimos 26 anos. Com o pacote legislativo apelidado de "Continente Conectado", a União Europeia pretende reduzir as cobranças aos consumidores e simplificar a burocracia para as companhias. O texto propõe também uma definição para a neutralidade de rede no velho continente, com exceções.

Segundo artigo 23 do documento, os usuários devem ter liberdade para acessar e distribuir qualquer conteúdo, usar aplicativos e serviços online através de seu provedor de internet. Os provedores poderão oferecer pacotes baseados em velocidade de franquia de dados.

Os usuários também poderão negociar com os provedores de acesso ou com os provedores de conteúdo, aplicativos e serviços a contratação de serviços específicos, com maior qualidade. Os provedores poderão negociar entre si formas de oferecer tais serviços especializados, desde que os serviços específicos não impactem negativamente a qualidade da oferta comum de acesso à internet. A proposta prevê os  a velocidade contratada não for atingida, o usuário poderá cancelar o contrato.

A proposta de legislação diz ainda que, para assinantes de planos baseados em velocidade de acesso ou franquia de dados, os provedores não poderão bloquear, desacelerar, degradar ou discriminar o acesso a diferentes conteúdos ou serviços - exceto quando seja estritamente necessário para lidar com o tráfego de dados.

A organização não-governamental francesa La Quadrature du Net reagiu negativamente à proposta. Em texto publicado no site, a organização diz que o número de exceções beneficia as empresas e prejudica os usuários - e abre a possibilidade de institucionalização do fim da neutralidade de rede. "A proposta é propositalmente falha para beneficiar brechas comerciais na neutralidade de rede, através de formas de discriminação que minam nossa liberdade de comunicação e são anti-competitivas por natureza", diz Jéremie Zimmermann, porta-voz do grupo.

NovidadesO projeto traz novos direitos e obrigações para usuários e provedores de serviço, incluindo definições sobre gerenciamento de rede e neutralidade. O objetivo da CE é apoiar o avanço do mercado de telecomunicações no continentes, para que "volte a ser um líder global no mundo digital"
Pelas novas regras apresentadas pela Comissão Europeia, as empresas poderão prover serviços em todos os 28 estados membro com apenas uma autorização. Serão definidos limites para as regulações em cada um dos sub-mercados e haverá hamonização da forma como os operadoras alugam acesso a redes de terceiros.

Cobranças pelo recebimento de chamadas ao longo da UE, o roaming, serão banidas do continente a partir de 1 de julho de 2014. As companhias terão algumas opções para cobranças de chamadas entre países. Elas poderão optar por oferecer planos de serviço aplicáveis a toda a região, um preço que será definido a partir da concorrência doméstica, ou permitir que os consumidores escolham um terceiro operador especificamente para o serviço de roaming, sem que precisem adquirir um novo SIM Card. A regulação de roaming de 2012 da UE já definia o corte de custos nos preços de dados no atacado em 67% em julho de 2014.

Segundo a comissão, as medidas devem garantir maior acesso à tecnologia 4G e WiFi e permitirão que as companhias desenvolvam, de forma mais eficiente, planos de investimento para além das fronteiras dos estados nacionais. O plano prevê maior coordenação de prazos, duração e outras condições de cessão e espectro. Os estados membro continuarão com o controle, e seguirão como beneficiários das taxas cobradas por operadoras móveis, ao mesmo tempo em que o bloco tenta criar um quadro mais coerente, que irá até o mercado de fornecimento de equipamentos e soluções de redes.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

"Fator de impacto": o que se mede? quem ganha com essa medição?

domingo, 1 de setembro de 2013

A velha mídia está mesmo velha = caduca, em ocaso, se havendo com seu "dia de juízo final"...?

Nota do Boletim Carta Maior em 01/09/2013
texto completo no Blog da Frases, por Saul Leblon



GLOBO: O  ODOR DA SATURAÇÃO

Não se sabe ainda se há relação de causalidade entre uma coisa e outra. O fato é que  manifestantes do Levante Popular guarneceram a sede da Globo em SP, neste sábado, com fezes.Uma retribuição, em espécie, disseram os integrantes do protesto, ao conteúdo despejado diuturnamente pela emissora nos corações e mentes da cidadania brasileira. No mesmo dia, com intervalo de horas, uma nota postada no site do jornal O Globo, manifestava o arrependimento da corporação pelo editorial de 2 de abril de 1964, de apoio ao golpe que derrubou Jango e instalou uma ditadura militar no país. Se a matéria-prima do protesto motivou a purgação é imponderável.  Mas por certo a recíproca é verdadeira. O fecalismo voador de que foi alvo o edifício-sede das Organizações Globo na capital paulista é decorrência do apoio coeso, contínuo e, não raro,beligerante, que o maior grupo de mídia do país tem dispensado ao conservadorismo. Armado ou não. A nota deste sábado é histórica. Mais pela evidencia da mudança na correlação de forças que obriga  a emissora a se desfazer de um legado incomodo, do que pelo arrependimento que simula. No fundo, apenas lamenta ter sido tão desabrida, como se não houvesse amanhã. O amanhã chegou. O editorial de 1964  não expõe apenas um ponto de vista episódico. Ele consagra um método. Que a experiência recente não pode dizer que caiu em desuso. Mas que vive um ponto de saturação. Ilustra-o a necessidade de mostrar arrependimento. Bem como o sugestivo odor exalado da sede da empresa em São Paulo, neste sábado.


Leia a seguir a nota da Globo de 30/08/2013 e o editorial de 02/04/1964

 

Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro

A consciência não é de hoje, vem de discussões internas de anos, em que as Organizações Globo concluíram que, à luz da História, o apoio se constituiu um equívoco.

Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura.

Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.

Há alguns meses, quando o Memória estava sendo estruturado, decidiu-se que ele seria uma excelente oportunidade para tornar pública essa avaliação interna. E um texto com o reconhecimento desse erro foi escrito para ser publicado quando o site ficasse pronto.

Não lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário.

Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas.

De nossa parte, é o que fazemos agora, reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos, ao reproduzir nesta página a íntegra do texto sobre o tema que está no Memória, a partir de hoje no ar:

1964

“Diante de qualquer reportagem ou editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles que se sintam contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o golpe militar de 1964.

A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais.

Naqueles instantes, justificavam a intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe, a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango era criticado por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns segmentos das Forças Armadas.

Na noite de 31 de março de 1964, por sinal, O GLOBO foi invadido por fuzileiros navais comandados pelo Almirante Cândido Aragão, do “dispositivo militar” de Jango, como se dizia na época. O jornal não pôde circular em 1º de abril. Sairia no dia seguinte, 2, quinta-feira, com o editorial impedido de ser impresso pelo almirante, “A decisão da Pátria”. Na primeira página, um novo editorial: “Ressurge a Democracia”.

A divisão ideológica do mundo na Guerra Fria, entre Leste e Oeste, comunistas e capitalistas, se reproduzia, em maior ou menor medida, em cada país. No Brasil, ela era aguçada e aprofundada pela radicalização de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu, em janeiro de 1963, por meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo, a saída negociada para que ele, vice, pudesse assumir na renúncia do presidente Jânio Quadros. Obteve, então, os poderes plenos do presidencialismo. Transferir parcela substancial do poder do Executivo ao Congresso havia sido condição exigida pelos militares para a posse de Jango, um dos herdeiros do trabalhismo varguista. Naquele tempo, votava-se no vice-presidente separadamente. Daí o resultado de uma combinação ideológica contraditória e fonte permanente de tensões: o presidente da UDN e o vice do PTB. A renúncia de Jânio acendeu o rastilho da crise institucional.

A situação política da época se radicalizou, principalmente quando Jango e os militares mais próximos a ele ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas de “base” “na lei ou na marra”. Os quartéis ficaram intoxicados com a luta política, à esquerda e à direita. Veio, então, o movimento dos sargentos, liderado por marinheiros — Cabo Ancelmo à frente —, a hierarquia militar começou a ser quebrada e o oficialato reagiu.

Naquele contexto, o golpe, chamado de “Revolução”, termo adotado pelo GLOBO durante muito tempo, era visto pelo jornal como a única alternativa para manter no Brasil uma democracia. Os militares prometiam uma intervenção passageira, cirúrgica. Na justificativa das Forças Armadas para a sua intervenção, ultrapassado o perigo de um golpe à esquerda, o poder voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram mantidas, num primeiro momento, as eleições presidenciais de 1966.

O desenrolar da “revolução” é conhecido. Não houve as eleições. Os militares ficaram no poder 21 anos, até saírem em 1985, com a posse de José Sarney, vice do presidente Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto indireto, falecido antes de receber a faixa.

No ano em que o movimento dos militares completou duas décadas, em 1984, Roberto Marinho publicou editorial assinado na primeira página. Trata-se de um documento revelador. Nele, ressaltava a atitude de Geisel, em 13 de outubro de 1978, que extinguiu todos os atos institucionais, o principal deles o AI5, restabeleceu o habeas corpus e a independência da magistratura e revogou o Decreto-Lei 477, base das intervenções do regime no meio universitário.

Destacava também os avanços econômicos obtidos naqueles vinte anos, mas, ao justificar sua adesão aos militares em 1964, deixava clara a sua crença de que a intervenção fora imprescindível para a manutenção da democracia e, depois, para conter a irrupção da guerrilha urbana. E, ainda, revelava que a relação de apoio editorial ao regime, embora duradoura, não fora todo o tempo tranquila. Nas palavras dele: “Temos permanecido fiéis aos seus objetivos [da revolução], embora conflitando em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir a autoria do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo brasileiro’. Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou ‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários.”

Não eram palavras vazias. Em todas as encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da legalidade. Cobrou de Getúlio uma constituinte que institucionalizasse a Revolução de 30, foi contra o Estado Novo, apoiou com vigor a Constituição de 1946 e defendeu a posse de Juscelino Kubistchek em 1955, quando esta fora questionada por setores civis e militares.

Durante a ditadura de 1964, sempre se posicionou com firmeza contra a perseguição a jornalistas de esquerda: como é notório, fez questão de abrigar muitos deles na redação do GLOBO. São muitos e conhecidos os depoimentos que dão conta de que ele fazia questão de acompanhar funcionários de O GLOBO chamados a depor: acompanhava-os pessoalmente para evitar que desaparecessem. Instado algumas vezes a dar a lista dos “comunistas” que trabalhavam no jornal, sempre se negou, de maneira desafiadora.

Ficou famosa a sua frase ao general Juracy Magalhães, ministro da Justiça do presidente Castello Branco: “Cuide de seus comunistas, que eu cuido dos meus”. Nos vinte anos durante os quais a ditadura perdurou, O GLOBO, nos períodos agudos de crise, mesmo sem retirar o apoio aos militares, sempre cobrou deles o restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática.

Contextos históricos são necessários na análise do posicionamento de pessoas e instituições, mais ainda em rupturas institucionais. A História não é apenas uma descrição de fatos, que se sucedem uns aos outros. Ela é o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los.

Os homens e as instituições que viveram 1964 são, há muito, História, e devem ser entendidos nessa perspectiva. O GLOBO não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país.

À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.”



 

(editorial de “O Globo” do dia 02 de abril de 1964)

“Ressurge a Democracia”

“Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.

Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.

Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo.

Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.

Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. Devemos felicitar-nos porque as Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas um daqueles poderes, o Executivo.

As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna, “são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República E DENTRO DOS LIMITES DA LEI.”

No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei, perdendo, conseqüentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube, vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei.

Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranqüilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal.Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.

A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional, na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País.

Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos. Confiamos em que o Congresso votará, rapidamente, as medidas reclamadas para que se inicie no Brasil uma época de justiça e harmonia social. Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor.”